"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Carta ao corpo

Observo-o como a um filho
o corpo em si não é problema,
o corpo é um corpo feminino
que vive seus ciclos e tem
cabeça, tronco, membros,
sistemas, órgãos, ossos cobertos
de carne e pele,
na superfície,
unhas encravadas e cravos nas costas,
pelos e cabelos,
áreas úmidas,
oleosas,
ressequidas...
sim, um corpo normal
com quarenta e três anos de uso
por vezes comedido, por vezes irracional
um corpo apenas
veículo e única materialização possível do que sou
sujeito à minha colonização
meu planeta pessoal
meu corpo.

E, humana no limite,
desprezo-o
não tomo consciência completa dele,
não sinto suas dores, não me compadeço de seu cansaço
não observo nem respeito quando tudo de que ele necessita
é do meu abraço
do meu cuidado
do meu carinho
minha atenção.

Ah, corpo meu,
perdoa deixar-te tão sozinho
e ir voar entre tarefas inúteis?
Desajeitada e tosca
proponho uma trégua na guerra que me declaras
na esperança de uma singela, talvez frágil
mas sincera
reconciliação.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

De conversas sobre o tempo




O corpo apresentará seus limites,
a mente acompanhará assustada,
a alma se perderá no caminho...
O tempo, implacável, nos come a todos,
sem tempero nem gosto, sorve
matéria e espírito,
Com ou sem lamento
tudo em nós, em breve,
será corpo do tempo.
Ignorar que somos dele a refeição
não diminui seu apetite voraz.
Tampouco haverá modo de evitar-se
que ele nos degluta...
Ah, tempo, tempo filhodeumaputa,
Eu me vingo sendo sempre
fervida,
e muito doce, ou amarga demais
Pra que cada mordida tua e cada vez
Que por ti sou engolida,
Que cada saliva tua que me banha
Com irrefreável sanha
Traga viva a lembrança da única verdade sustentada:
Sou seu alimento, breve serei nada,
Mas do agora de cada hora,
Enquanto conscientemente respiro,

Sou eu, a plena senhora.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Oração da lua ao sol*.

"Dá-me que eu me sinta teu"

Adona-te de mim, sol
sequestra-me de quem sou
faz de meu corpo tua habitação
toca, beija e consome.
Seja amor o cimento das fundações
do teu edifício
e de luz cobertas,
as paredes desse quarto
sejam floridos sorrisos.
Seja a cama aquecida com
pequeninos e prazerosos dèjavus.
Eu que já não sou mais flor fresca
à beira do lago
eu que trepadeira me espalho,
folhas secas sobre o noturno orvalho...
voa sobre mim como ave
toca-me o púbis, move-me a pelve
apascenta o lugar pra ti reservado:
a vida toda.
Volta,
desloca as fomes, os medos, as misérias
os segredos, as maldades e as imperceptíveis
ignorâncias
para baldios inóspitos e distantes
anula-os como aos germes
e me ama.
Vem,
e sejam cada instante,
cada vivência,
cada tarde, noite, hora,
manhã ou madrugada
seja cada toque ínfimo
um despertador
e cada chamado,
cada notícia ou conta
chegadas de dentro ou de fora
uma aventura nova
com sabor de vida plena
seja a vida
esse reescrito poema
porque estamos juntos
a iluminar essa estrada.


*por ocasião dessas cem noites ensolaradas.





.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Cena 3 pra quinta-feira

Ei...
quinta...
quinta dá? pra gente ficar junto?
Enquanto isso eu fico aqui
juntando assunto
ignorando a ânsia que me devora
pondo em ordem
a trilha sonora que me morde
o coração...
e embora saibamos exato
cada passo desse chão,
e embora não haja trato que nos trate
e que evite os colaterais efeitos
da paixão
essa amnésia que faz
tudo ser novidade
me parece boa, me apraz
me apazigua e regenera
subtrai minha idade e a dilacera.
A pele, o poro, o pelo, pedem
o corpo grita que quer mais...
então... dá? quinta, dá?
pra essa cena repetida
esse clichê que me dá vida
entrar em cartaz?

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Bliss - ou dos saberes fundamentais de um homem

Capa do CD de Jan A.P.Kaczmarek

Ele sabe
ele sabe sim
ele entende o caqueado...
a criatura
me mete a mão na cintura
me cheira, me vira de lado
num passo de dança
se lança
beija meu pescoço
como se lambesse a alma e o osso
me inspira em reticências
e lentamente conquista
licença pra entrar em mim.
Ele sabe.
Ele sabe sim.