"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Mãos do vento*

#surubaparacolorir
Em silêncio, varrendo a verve
que inválida
invertia as ondas de arrepio
vieste
morno e suave
lufada de vento ávida e viril,
vieste,
navegaste esse corpo
que se tornou todo um rio
e minha alma, vela cheia,
singra solta pelo espaço do cio.

voluntariamente atada e cega
sou vanguarda-velha 
vejo vergastada 
a voracidade da solidão
e como nada nos fora vedado 
o coração vocifera
vulnerável 
no sentido mais vil e valoroso
da palavra que em mim você destrava.

a confiança da entrega
que violenta e valente me descongela, 
é brotada semente,
vivência que assusta e adoça
e nos entres do dia-a-dia
me refaz e me remoça.

É presente do universo
a lúbrica poesia 
colhida de tuas mãos, língua, falo
frente e verso...
me sopra crepitando a superfície
e de braçada
nada em mim e em mim mergulha
me adormece e me desperta 
na forma mais líquida 
e da forma mais certa.


*Cumprindo o poema-promessa pra quem me acaricia feito vento.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

De super ar

Vitória Régia do Pantanal - Daniel de Granville.
Disponível em  
não reconheço abismo 
e como se houvera em mim
asas
sinto-me em casa
plena do que sou
aceito e acato
que não mais me afetam 
os desafetos antigos
simplesmente vou
caminho segura no fio da faca
sambo tomada de algo
entre coragem e temeridade
não há sombra de receio
nem sobra de desamor

e a superação
que faz vibrar 
cada porção da pele minha
se suporta sozinha
e aumenta expandindo meu peito
pelo jeito como vibra
o som da tua voz
o calor suave das tuas mãos 
o palavreado trôpego e contido
na tua língua

eis que és homem e ar
por isso te inspiro
ao plenamente te habitar. 

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Da sua Eisoptrophobia

IN: http://memorise.org/top-10-brain-foods/5-eisoptrophobia
Era uma vez um passarinho que pensava que era pedra...

Andei pensando em você. Não do jeito habitual, nas nossas enormes similitudes, projetando o que poderia ser, sentindo sua falta, lamentando o que não foi, etc e tal...
Nove meses depois e uma hora a gente renasce, voa e vê, de longe, o que estava a acontecer... E hoje eu entendo, ah, embora palidamente, eu entendo seu medo de me saber, de me ouvir ou de me ver. Sua distância calculada e seu modo de se esconder. 
Hoje eu entendo, embora ainda não aceite, que até meu amigo você hoje se negue a ser. Hoje eu entendo, embora ache terrível, o tanto que você se esforçou pra me afastar, me espantar depois de me atrair. Lembro comovida de cada detalhe, ignorância e pedrada, cada sumiço e mensagem não respondida...  
É que eu não sabia disso, dada que estava à transparência e genuinamente interessada em me envolver. Eu não sabia disso, dado que aquele sonho, foi você quem nos propôs viver... Eu não sabia disso, do medo que você teria. Eu não sabia disso, talvez nem você sabia...
Hoje eu entendo, ah, eu imagino, que deve ser bem difícil... Deve ter sido um torturante exercício pra você, de repente, se ver encarando a própria covardia, o egoísmo, a sombra de si mesmo, em mim espelhada... Eu entregue não percebia nada, só queria estar e ser. Por pura ousadia e vício, aceitei em dupla seguir o voo, me doei, como sempre me doo, e aceitei de bom grado, de você mesmo te proteger. 

"Enfim"... essa palavra que era tão nossa! E para minha surpresa, você decretou que era o fim.

Caí com teu peso e teu medo. Desse tipo de voo não se sai ilesa. Machuquei a asa, levei um tempo em degredo... Mas pra mim, eu decido: é sempre movimento e será pro alto e avante. Cada um escolhe o que pra si, será aterrorizante e sei que é o medo de ter medo quem me paralisa. É hora de seguir planando, havendo ou não havendo brisa. Se quiser, acene pra mim aí de baixo que eu vou seguir caindo pro alto - sim, eu me acho. Te mostrei que somos pássaros, mas você não saberia...  E há tantos outros pra, no ar, nos fazer companhia... Você se surpreenderia! 

Noutra vida, na minha fantasia, serei jabuti e talvez a gente volte a se ver e eu ainda seja espelho pra ti e de mim, talvez você não tenha mais fobia... "Enfim". Tudo tanto talvez é o que faz da vida poesia, mas hoje acho que nem nisso você me entendia... De novo, eu sinto, fui eu quem entendeu você. Tô te entregando a raiva que você fez florescer, nesse lugar de memória, onde vim pra te lembrar: 
Você pensa que é pedra, por isso não pode voar. 



domingo, 7 de janeiro de 2018

Notícias do exílio, ou do Abraço de um dia.

Embrace. Da série Sweet Land of Liberty, de Trina Merry.
minha visão do paraíso
esses cento e cinquenta mil fios de cabelo
(alguns brancos),
a certeza dos duzentos e seis ossos escondidos
(e esses dentes tão brancos)
a extensão de dois metros quadrados de pele
(devidamente lavados por minha saliva),
somados aos catorze músculos movidos num sorriso teu...

(vinte quatro horas de exposição ao que irradias
deixam toda minha musculatura ativa
me colocam mais perto de deus!)
 
juntos
nesse intervalo que teu corpo leva
para produzir quase quinhentos milhões
de novas células
minhas dores voam  
feito libélulas
e meu coração bate bem mais 
que as cem mil vezes diárias habituais...
(não me surpreenderia, de verdade
se meu sangue fosse multado
por excesso de velocidade.)

e enquanto convocamos
contínua e prazerosamente
o trabalho de cinquenta e oito músculos
para inúmeros ósculos
e enquanto reciprocamente
nos fundimos sem pudor
respiro e sei
que esse torpor tem nome
e não há muito mais o que fazer...

(e que do teu lado eu ficaria
nem que fosse para ouvir a poesia 
das suas unhas a crescer.)


sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Girassóis - Ou "cada um dá o que tem"

Girassóis. Van Gogh, 1888. Disponível em https://www.pinakothek.de/es
indiferença e mentira
joguinhos,
desamor e falsa lira...

à distância, reconheço
todas as formas que você usou
pra me fazer mal...

a paga por meu carinho e cuidado
por ter tentando fazer do seu peito um ninho
e por ter plantado, em memória de sua mãe,
girassóis no teu quintal.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Imagem disponível em: http://www.facundocabral.info/plumas-invitadas-texto.php?Id=491
eu penso que sei de cor
mas sempre é nova aventura
o caminho que se traça
nessa queda pra altura...

eu penso saber, não sei!
sua carne é só surpresa,
me toca e se faz meu rei
me bagunça, me faz presa

agita cada neurose
causa mas dissipa o medo
- e eu quero mais uma dose,
isso nunca foi segredo.

a pele do meu amor
tem cheiro, gosto, textura
e eu festejo o seu retorno
pois seu retorno me cura.