Observo-o como a um filho
o corpo em si não é problema,
o corpo é um corpo feminino
que vive seus ciclos e tem
cabeça, tronco, membros,
sistemas, órgãos, ossos cobertos
de carne e pele,
na superfície,
unhas encravadas e cravos nas costas,
pelos e cabelos,
áreas úmidas,
oleosas,
ressequidas...
sim, um corpo normal
com quarenta e três anos de uso
por vezes comedido, por vezes irracional
um corpo apenas
veículo e única materialização possível do que sou
sujeito à minha colonização
meu planeta pessoal
meu corpo.
E, humana no limite,
desprezo-o
não tomo consciência completa dele,
não sinto suas dores, não me compadeço de seu cansaço
não observo nem respeito quando tudo de que ele necessita
é do meu abraço
do meu cuidado
do meu carinho
minha atenção.
Ah, corpo meu,
perdoa deixar-te tão sozinho
e ir voar entre tarefas inúteis?
Desajeitada e tosca
proponho uma trégua na guerra que me declaras
na esperança de uma singela, talvez frágil
mas sincera
reconciliação.
quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017
De conversas sobre o tempo
O corpo apresentará seus limites,
a mente acompanhará assustada,
a alma se perderá no caminho...
O tempo, implacável, nos come a todos,
sem tempero nem gosto, sorve
matéria e espírito,
Com ou sem lamento
tudo em nós, em breve,
será corpo do tempo.
Ignorar que somos dele a refeição
não diminui seu apetite voraz.
Tampouco haverá modo de evitar-se
que ele nos degluta...
Ah, tempo, tempo filhodeumaputa,
Eu me vingo sendo sempre
fervida,
e muito doce, ou amarga demais
Pra que cada mordida tua e cada vez
Que por ti sou engolida,
Que cada saliva tua que me banha
Com irrefreável sanha
Traga viva a lembrança da única verdade sustentada:
Sou seu alimento, breve serei nada,
Mas do agora de cada hora,
Enquanto conscientemente respiro,
Sou eu, a plena senhora.
quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017
Oração da lua ao sol*.
"Dá-me que eu me sinta teu"
sequestra-me de quem sou
faz de meu corpo tua habitação
toca, beija e consome.
Seja amor o cimento das fundações
do teu edifício
e de luz cobertas,
as paredes desse quarto
sejam floridos sorrisos.
Seja a cama aquecida com
pequeninos e prazerosos dèjavus.
Eu que já não sou mais flor fresca
à beira do lago
eu que trepadeira me espalho,
folhas secas sobre o noturno orvalho...
voa sobre mim como ave
toca-me o púbis, move-me a pelve
apascenta o lugar pra ti reservado:
a vida toda.
Volta,
desloca as fomes, os medos, as misérias
os segredos, as maldades e as imperceptíveis
ignorâncias
para baldios inóspitos e distantes
anula-os como aos germes
e me ama.
Vem,
e sejam cada instante,
cada vivência,
cada tarde, noite, hora,
manhã ou madrugada
seja cada toque ínfimo
um despertador
e cada chamado,
cada notícia ou conta
chegadas de dentro ou de fora
uma aventura nova
com sabor de vida plena
seja a vida
esse reescrito poema
porque estamos juntos
a iluminar essa estrada.
*por ocasião dessas cem noites ensolaradas.
.
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017
Cena 3 pra quinta-feira
Ei...
quinta...
quinta dá? pra gente ficar junto?
Enquanto isso eu fico aqui
juntando assunto
ignorando a ânsia que me devora
pondo em ordem
a trilha sonora que me morde
o coração...
e embora saibamos exato
cada passo desse chão,
e embora não haja trato que nos trate
e que evite os colaterais efeitos
da paixão
essa amnésia que faz
tudo ser novidade
me parece boa, me apraz
me apazigua e regenera
subtrai minha idade e a dilacera.
A pele, o poro, o pelo, pedem
o corpo grita que quer mais...
então... dá? quinta, dá?
pra essa cena repetida
esse clichê que me dá vida
entrar em cartaz?
quinta...
quinta dá? pra gente ficar junto?
Enquanto isso eu fico aqui
juntando assunto
ignorando a ânsia que me devora
pondo em ordem
a trilha sonora que me morde
o coração...
e embora saibamos exato
cada passo desse chão,
e embora não haja trato que nos trate
e que evite os colaterais efeitos
da paixão
essa amnésia que faz
tudo ser novidade
me parece boa, me apraz
me apazigua e regenera
subtrai minha idade e a dilacera.
A pele, o poro, o pelo, pedem
o corpo grita que quer mais...
então... dá? quinta, dá?
pra essa cena repetida
esse clichê que me dá vida
entrar em cartaz?
terça-feira, 7 de fevereiro de 2017
Bliss - ou dos saberes fundamentais de um homem
Capa do CD de Jan A.P.Kaczmarek |
Ele sabe
ele sabe sim
ele entende o caqueado...
a criatura
me mete a mão na cintura
me cheira, me vira de lado
num passo de dança
se lança
beija meu pescoço
como se lambesse a alma e o osso
me inspira em reticências
e lentamente conquista
licença pra entrar em mim.
Ele sabe.
Ele sabe sim.