Nasci na Cachoeirinha, na favela do Jardim Peri Novo, no Peri Alto.
Bem pra lá do Tucuruvi... e aprendi ali
a falar, andar e acreditar que rio era um troço
que fedia à beça:
Cabuçu, Tietê, Tamanduateí.
- Teu avô era bugre - repetia a avó italiana - bugre mesmo, do mato.
Eu ouvi, mal entendi, deixaram pra lá, guardei.
Da favela, numa manhã, fomos cuspidos
pra lá do Jacanã, perto de Guarulhos
e depois, de lá, de novo, pra lá de Itaquera
mas bem antes de Itaquá, praquelas bandas
de Sapopemba, do Itaim... do lado do cemitério:
Guaianases, onde eu cresci,
leste, longe como a peste!
Dali saí para descobrir o time do Tatuapé,
perambular no Anhagabaú atrás de emprego
e me abandonar, chorando, ida e volta
da escuridão da Luz à Paranapiacaba
antes de voltar pra casa
- um jeito de matar o tempo e a fome
com a paisagem gratuita e o embalo da máquina.
Da minha juventude não há lembrança de alegria no Ibirapuera,
de banho em Bertioga, Mongaguá ou Barequeçaba,
memória mesmo só de ônibus-trem-metrô-perua,
intercalados, o corpo exposto em longas viagens
no caminho pela Cangaíba à Aricanduva
levando a menina que escrevia poesia
e sonhava nas carteiras da escola
a ser mão de obra que se cala
sem nome, sem história, sem lugar
- única forma de ser aceita e transitar -
pelo Pacaembu, Moema, Butantã, Perdizes...
A Liberdade ali, é só um bairro, por isso fugi.
19 de abril, segundo da pandemia,
do Cambará, Boa Vista, vasculho esse palimpsesto
e lanço em versos o som do meu peito
roraimado, resnascido, desapagado,
macuxi.
O tambor de uma ancestralidade difusa
ressoa na carne que a cidade não conseguiu destruir,
na carne que, ao resistir, também acusa
a falida e tosca aspiração da metrópole
Paulista-Higienópolis.
*e dos tremembés, guarapirangas e outros terrenos que se movem em mim.
8 comentários:
Lindo poema!! Parabéns. Bj
"O FUTURO É ANCESTRAL". A.Krenak
lindo Eli!
👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼
A segunda leitura me fez lembrar que eu vim para BVB pensando em formação para poder trabalhar no futuro. Ou seja, sobreviver também.
Eli, tenho lido depoimentos sobre o processo de reencontrar, reconhecer a identidsde indígena. Seu poema agregou enormemente meu corpus de pesquisa e na minha experiência pessoal. Inspiradora como sempre.
Gratidão pelos comentários, gente. Que bom ver o blog voltando a circular.
<3
Que coisa linda essa transposição de memorias e sentimentos em verso.
Lindo poema
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