"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



sexta-feira, 17 de maio de 2013

Homenagem a A., uma triste história de amor e ódio


Obra de León Jean Basile Perrault em www.allposters.com.br

Éramos amigos e tínhamos 16 anos. Ele se apaixonou.
Depois de muito ensaio, dúvida, medo, resolveu contar para a mais antiga amiga o que acontecera:
- Mãe, acho que estou gostando de alguém...
Ela, entre enciumada e orgulhosa do filhote, respondeu rapidamente:
 - Que não seja uma pirainha, meu filho...
Não era. Estava apaixonado pelo melhor amigo.
A mãe lhe disse que esquecesse essa bobagem. Que tirasse isso da cabeça. Que lhe tiraria da escola se fosse necessário. Que seu pai ficaria furioso se descobrisse.
Apaixonado, não conseguia pensar em outra coisa ou pessoa. Lhe agradava profundamente a voz, o modo inteligente, expressivo, espontâneo e bonito do amigo...
Logo o pai descobriu e o interpelou. Ele respondeu com a audácia de um menino de 16 anos apaixonado. Tomou uma surra. Suas roupas foram jogadas na rua: expulso de casa.
Era 1989. Não compreendíamos qual era o crime de gostar ‘de meninos e meninas’. Cantávamos a plenos pulmões que éramos tão jovens e que era ‘preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã’. Ele se virou. Amigos lhe deram guaridas temporárias, mas era preciso arrumar um trabalho de tempo integral. Largou da escola.
O tempo passou. Eu me casei, tive filhas. Ele, depois de muitos trabalhos, empregou-se no Correio. Conheceu outro rapaz, com quem se uniu. Compraram um apartamento na COHAB, estavam felizes, tinham planos. Abrigaram um gato de rua e ajeitaram com flores e cactos a casa pela qual ainda pagariam por muitos anos. Era 1993. Tudo parecia bem.
Uma tarde, voltando para casa, um acidente de carro, ele na calçada: atingido. Não houve tempo de desviar. E perdi um amigo.
Morrer faz parte, já sabia, ainda que doesse muito. No velório, cantamos nossa dor: “é tão estranho, os bons morrem jovens”. O viúvo, hostilizado pela família de A., sofria duplamente.
Depois disso ainda fui à sua casa, chorei com ele ao saber que a família de A. entrara com um processo para despejá-lo do apartamento, que estava em nome do filho morto. 
Em 1998, por mandado da Justiça(?), a família de A., que um dia o colocou na rua, surrado e humilhado por amar um homem, teve definitivamente o direito a ficar com o espólio do filho.

Hoje é o dia contra a homofobia. Escrevo para homenagear meu amigo, um homem de bem que só queria amar e ser feliz. E para seu viúvo, que hoje felizmente refez a vida em São Paulo.
Já não sou mais ‘tão jovem’. O tempo passou rápido. Preciso tentar impedir que alguns lances dessa história se repitam, lutando contra a homofobia e o reconhecimento pleno da União Homoafetiva. Porque todo dia é dia de amar.

(Um dia te encontro, querido A. E cantaremos juntos que “o sistema é mau mas minha turma é legal/ viver é foda, morrer é difícil...”. E faremos um filme mais feliz.)


2 comentários:

Natasha (winry) disse...

Que lindo e horrivel ao mesmo tempo!
Horrivel pq alguem foi humilhado só por gostar de alguem do msm sexo?? Sempre fico chocada com isso, ele nao tava fazendo mal a ninguem... Nem a ele msm... Pelo menos o tempo em que viveu no fim parece que foi feliz =)

E acho horrivel que a familia tenha ficado com os bens dele.. As pessoas só pensam nos bens materiais, nas coisas fisicas.. E o mais legal que pra ser meu filho é imundo, nojento, depravado.. Mas pra ter o ap dele e depois revende ou alugar ai meu deus quero o ap agr msm!!!

Os EUA são mais evoluidos até em relação a isso! Lá quando vc tem alguma posse, vc deixa pra quem quiser, filho, neto, sobrinho de decimo grau, pra uma ong, até pro seu bicho! E ninguem tem nd a ver com isso pq se a coisa é sua vc que sabe pra tem que dar... E a essa familia se não já sofrem um dia vao sofrer por fazer algo tao horrivel.. e a lei da vida, td que vc fazx volta + cedo ou + tarde

Elimacuxi disse...

Querida Winry, se a lei não reconhece a existência do casal, é direito da família ficar com o espólio do filho. Por isso a luta para mudar a lei.