"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



segunda-feira, 15 de junho de 2020

In corporada*

  Estudo para retrato de Lucian Freud.Francis Bacon, 1966.

meu corpo desmanchado
se reconfigura e permanece
fragmentado
pedaços de outras vidas se mesclam
no eu agora incorporado
nada é puro 
todo sentimento é copiado

cantando porque o instante existe
apesar da respiração difícil 
vendo a vida besta, 
meu deus 
tanta perna seguindo no bonde
e esquecida 
a doçura do correio entre amigos.

sem pneumotórax possível
a felicidade oscila
mas a alegria
ainda parece ser melhor
que a tristeza

então meu coração reza
na insistência de outras práticas
lendo o tempo, que ainda me pega à força,
arranco a filosofia entranhada 
nas tarefas domésticas
como quem limpa peixes
salga carnes
prepara caldos
faço poesia. 

hoje acordei cópia
e no meio de mim jazia
uma pedra 
sem tradução possível de parte a parte
era uma palavra presa, 
empedrada, suja
e sem possibilidade de limpeza.  


*pelas palavras de Cecília Meireles, Viviane Mosé, Adélia Prado, Elisa Lucinda, Bandeira, Drummond, Vinícius, e Gullar. Não necessariamente nessa ordem.

7 comentários:

Lau Siqueira disse...

Gosto da tua forma de extrair as palavras do silêncio. uma tradução muito íntima que aflora na pele de muita gente.

Bruna disse...

Sentimento que traduz nossos últimos dias

Lira Neto disse...

Confidência o momento que estamos vivenciando, de maneira muito íntimida, e a mesmo tempo com subjetividade, abrindo espaço para as múltiplas reinterpretação. Tá lindo!!!

Marcelo Camacho disse...

Gostei muito! (vc está bem?)

Fabíola Belleza disse...

Todos os dias sigamos esse desafio: de extrair a poesia entre a rotina diária é os conflitos existenciais e de identidade, que nessa época de pandemia, insiste a nos retaliar, entre a positividade dos pequenos atos diários familiares e a zuada da população que insiste em quebrar o isolamento.

Vanessa Brandão disse...

Olha que sorte a minha. Sua poesia chega até mim logo ao acordar. Logo hoje, que sonhei com professor Devair. Obrigada, Eli.

Elimacuxi disse...

Gente, muita gratidão por seus comentários. Seguimos.
Um beijo a cada um.