"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



quarta-feira, 20 de abril de 2016

Mulher de Verdade - ou de como reajo à hipocrisia e machismo.

Embora não faça alarde
é liberdade quem me urde
por isso não faço contas,
não sei de quantos usufruí prazeres,
(além da língua
nos pequenos lábios
há os prazeres da palavra
na boca dos sábios...)

Não
não sei em quantos dias posei
de bela ou de fera
lavando glande com saliva
erupcionada
no interno calor
algoz e cativa.

Não
não conto os dias de roupa suja e pia cheia
os dias de leite e pão e miojo
assim como não conto feijoadas e lasanhas
minuciosamente planejadas
não conto as horas de encerar o chão
onde me deito com quem amo
distribuídos em tantos dias do ano.

é tão boa a roupa de cama cheirosa
quanto a manchada de amor
sou eu quem escolhe, da minha vestimenta,
o comprimento e a cor
não venha ditar o que me cai bem
você não me conhece, neném.

VEJA e deseje, esbanje hipocrisia,
meu corpo e meus dias
são pra minha felicidade
não estou pras suas falhas
esses contos de fada urdidos por canalhas
porque sou e quero ser mulher de verdade,
sou "bela, recatada e do lar":
dou a quem eu quiser dar
uso a roupa que eu quiser usar
como-me nua na frente do espelho
e não serve-me nem para limpar o cu
seu tosco e machista conselho.

sábado, 16 de abril de 2016

Pesadelo

nem o peito nu
revelando a pele branca
do entorno dos mamilos,
nem o entra e sai
de rostos conhecidos e desconhecidos
 - todos alunos -
na pequena sala.
nem o esquecimento do nome
do fotógrafo premiado,
nem as interrupções constantes
que nos afastavam do tema a ser
apresentado,
nada, naquele mar de desconforto,
me feria tanto quanto a certeza
queimando dentro
de que exausta, embora ininterrupta e brutalmente
eu lutava para não ser levada
pela frustração que em intensa corrente
buscava me tragar.
fui verdadeiramente rude
e bravamente
lutei em vão
tentando voltar ao tema
voltar ao quadro
retomar a aula
tudo completamente inútil.
já sem forças
caí em lágrimas suplicando compreensão
de uma conhecida e fleumática
estudante sentada no chão...

É excruciante viver esse duplo
observar o outro a fazer coisas que condeno
e que meus seios nus denunciam não serem eu.

Entre soluços e lágrimas
encerrei o mergulho implodindo:
as pálpebras abertas
denunciavam junto com os poros que o sol do sábado
já aquece demasiado o pequeno quarto.
fica essa sombra do medo infinito,
a consciência desse apego à razão
e a certeza de que tudo permanece caos
sob o lago escuro que sou.