"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Sexta Negra

marcou-se em mil melindres
queixumes
maldades

moldou-se mundano
mostrou-se 
em muitas melhores mentiras

mudou as amarras mordendo malícias
e mediu-se em minúcias,
metodicamente esfomeado.
 
ensimesmou-se amuado,
múltiplo em maldade vária:
ameba, melagra, mal de chagas
melena, malária, tumor.

foi mau amiúde
e, meta mitigada
minguou mutilado
morreu desamor.



quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Foco no belo

Três horas,
impiedosa a chuva rompeu com a secura
e tudo fora lama e lágrima
 - fora eu, que era só
e deitada entre José e Pilar*
pensava antes no que a vida
nos nega nos quer legar.

Um raio rompeu com a árvore
a porta dos gatos batia
o celular sem sinal, 
a cor da vida que ardia...
e eu dormindo sem mal
entre um casal tão feliz:

pilares que mantém 
José de pé
Pilar 
e quem seria o mago?

Quase não senti o horror
da noite em claro
da cidade alagada
e da vida,
negada e legada.

Do amor de José e Pilar
extraí tanta beleza
que dormitei em Boa Vista
e acordei em Veneza.


*
José e Pilar, filme de Miguel Gonçalves Mendes.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

crepúsculo

dirijo
enquanto o sol tinge
de memória
e laranja
toda a terra.

finjo
que é do sol a dor que arde
e julgo
que é o dia quem vai tarde.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Pueril

feito criança
miro fixo
o sol do meio dia
encantado de seu calor
transbordo
em sal e poesia

cego
baixo a mirada
e infantilmente lamento
por toda a cor desbotada.





quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Então se sente
inominável
esse ente,
essa brita
que no entre das palavras
se ajusta ao suave silêncio
que desesperado grita.

domingo, 10 de novembro de 2013

Vidas como vidas*

diante da mesa a cara amarrada,
foi se desatando

domingo
os sons da feira já ecoavam
havia as cores do pão, do bolo, do suco
e aquele céu tão azul e tão sol
e tudo tão passarinho e verde de árvore

tão suave e tão bem
o cheiro quente de café
cortou no ar as ondas curtas
que surdas
ainda vinham quebrar
em seus peitos de maré.

*pro Caio, que também acordou apaixonado pela vida.


sábado, 9 de novembro de 2013

Fissura cardíaca

Com parcas frases feitas
facilitei diante da fera
que me farejou e feriu
ferozmente...

Antes do fim
festejo a furiosa presença,
a ferida,
a razão furtada,
e não rejeito
esse poema
fincado à força em meu peito.


terça-feira, 5 de novembro de 2013

"O amanhã vai virar hoje"

o tempo tudo come
come o coração do homem
e o amor que nele ia
come a cabeça do homem
e o que fazia e pensava

engarrafamos o tempo
em minutos, horas, dias
sem saciar sua fome
ele come as ousadias
do amor que nos consome
e da razão que nos vigia

e ainda come a si mesmo
numa eterna autofagia

*em resposta a um poema do Ivan, in: http://coracaoburim.blogspot.com.br/2013/11/sem.html

domingo, 3 de novembro de 2013

Inquietinha

de dentro do pote de vidro
envolta pelo mosaico
vê, multicolorido
um mundo em volta de um palco.

gostaria de tocá-lo
gostaria de comê-lo
gostaria de alcançá-lo
de dentro do pote de vidro...

pequenina, se agiganta
pelo desejo que a queima
e tudo fora lanceta
seu coração de menina

dentro do pote fechado
em pura alucinação
ela crê que seu olhar
já é comunicação
e presa não compreende
que o mundo que lhe chega
não é o mundo deveras
que as cores são ilusão
e que as luzes são quimeras.

enlouquecida a pequena
a todo o real resiste
pois quisera ignorar
de toda história o mais triste:
é ilusória a grandeza
que o desejo lhe confere
e nem sequer ela mesma
do jeito que se infere 
de fato existe.