"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



sexta-feira, 28 de abril de 2017

De quem?

foi por engano, me diz
aquela mensagem infeliz
me expulsando do peito, das horas, da vida
que por ora eu ainda acreditava passível
de ser compartida

foi por engano, me diz
a semana silenciosa
a distância calculada
a vida insossa perdida entre horas
de TV 
e nada

foi por engano, me diz
que você decidiu partir
repartir o que antes unira
e partir em mil 
esse coração que sozinho delira

diz que foi engano
mas especifica:
se foi meu, parte
se foi teu, 
fica. 

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Das razões dessa flor.

"Se perguntar o que é o amor pra mim. Não sei responder. Não sei explicar. 
Mas sei que o amor nasceu dentro de mim.
 Me fez renascer. Me fez despertar..." 
Arlindo Cruz


É mais do mesmo, é tudo novo de novo mas deixa eu ver se me explico.
Claro, meu caro, que se decide por isso.
Pode ser mais ou menos conscientemente, mas a gente vai enumerando motivos antes de pular do abismo. Num ato de egoísmo se vai calculando a queda, o vento rasgando a pele antes da pedra, sim, a gente vai minuciosamente medindo tudo... escolher a companhia para o pulo é um jeito de não morrer mudo, um jeito de ser ouvido, de permanecer por ter estado. Escolhe-se o outro numa estratégia de permanecer, de se estar quando já se foi. O outro tropeça-nos e se avalia o tropeção. Decidimos se é bom ou não e se for uma maneira melhorada de se estar... bem, eu creio, meu bem, que em grande parte é disso que se constitui o amar.
Não tem enguiço, há que se admitir o feitiço de anos de observação... meus olhos sempre se detiveram nesse All Star preto, na calça larga, nos lábios grossos e nesses olhos apertados de índio... Sim, essas coisas que eu acho lindas. É fato que não és tão alto quanto em geral me toca, mas sempre com esse enigma indecifrável na face, esse meio sorriso no canto da boca, me atraías pra fora da toca, qual seria afinal sua verdade? E finalmente tinha o agora objetivo da minha e da sua caminhada:  o fato de estarmos sós e querermos companhia pra andar de mãos dadas... Feito gata, apostei uma das vidas pra matar a curiosidade que sempre tive: arranho, arrisco, me enrosco, pergunto: posso? Não me contive. Consentida, ouvi sua voz suave no meio da madrugada, encontrei o pelo a pele o cheiro a cor... toquei e descobri o gosto da saliva, as mãos que passeiam fazendo a pele vibrar em carne viva... horror seria não me deixar gozar, fingir que não foi bom, negacear...
Mas alto, alto lá que não é tão simplório assim, não pra mim. Houve ainda outros passos antes do salto. As horas passaram, os dias passaram e ainda assim não nos faltava assunto... e é tanto e tanto mais carinho que tudo o que eu queria era estar ali, junto a ti, sorrindo ao ouvir um vinil, no jogo de uma piadinha vil, nas raivas compartilhadas sobre o Brasil, nas tramas de família, ilhados pela internet que não ajuda... e qualquer coisa que a gente fizesse, uma louça que a gente lavasse, um livro que a gente lesse, uma aula que a gente ouvisse, uma música resgatada... fizemos tanto, não fizemos nada e nos intervalos fazíamos amor e pareceu-me uma prece. Assim, aos poucos, fui me soltando no espaço de queda onde o amor se fortalece.
A queda tem sido brusca, pois nem tudo, aliás, quase nada entre nós possui leveza. Somos densos, tu dirias. Mas não há como negar tanta beleza no peso de sermos nós... assim fui tocando e retocando os laços, refiz os passos de suas histórias e as costurei caprichosamente por dentro, como se fossem minhas... tu me ouvias, eu te ouvia e a cada reconhecimento de atitude, a cada vicissitude superada, a cada trauma e marca na alma identificados, a cada palavra gêmea proferida eu fui assim, do meu jeito, projetando outros caminhos... e as bagagens agora levadas em par pareceram tão mais leves de se levar...
Essas coisas todas me chegaram somadas num pacote de presente e encontraram-me com a dolorosa e inescapável consciência da nossa efemeridade. Juro, de verdade, é isso que me faz ter tanta urgência do presente, do agora, do tempo que não se pode jogar fora, de fazer valer a promessa primeira, estar junto pra estar bem, pra se acompanhar até o fim do mundo, pra ir mais fundo nessa vulnerabilidade que nos reforça o vínculo. É urgente essa partilha planejada.
Daí que você pergunta se eu te amo tanto assim... Daí você quer saber as razões que movem a mim... e eu enumero toscamente nesse texto as razões pro que te assusta. Saiba que me jogar de novo nesse abismo que é amar também me custa, às vezes, uma parte enorme da alma. Mas tenha calma, criatura. Já tenho idade pra saber que desse mal também se cura. Não vamos morrer de amor, mesmo que ele chegue a nos afogar. Amar, assim como ficar bem, não tem garantia, mas é decisão a se tomar.
Sei que é tola a iniciativa de se explicar o que se sente. Fato é que eu já saltei e o resto todo depois se vê.
Sim, eu já apostei novamente: sem dúvida eu amo você.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Para o poeta com um beijo.

imagem disponível em

é vento que te passeia por dentro
e escapa devagar por entre os dentes
úmido de saliva
ah, a poesia...
proferida em silêncio no respirar do poeta
é um cometa que se acende no ar...

gosto sobretudo do cheiro dela
e é isso que me impele, continuamente a tocar
suave e incerta, com meus lábios
os lábios doces
de quem a faz vibrar.