terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Declaração de fim de ano*

quando você veio
eu já estava à espera
de alguém pra me acompanhar
pela grande esfera

eu nada entendia
mas entre sorriso e grossura
feitos de poesia pura
fomos mais que mera companhia!





quando você veio,
meu irmão amado,
fomos completos
a revirar o mundo como detetives
e em nossos nós sobrevivem
anseios estetas
e as palavras de poetas
batucadas em latas no quintal
pedaços que selam nosso laço sem igual

amizade que é tango, é samba, é vida completa e anuncia
que você está comigo, mesmo que eu não o veja todo dia

mais que em qualquer doutor
em ti, minha admiração e amor,
eu guardo
forjado na bruta lida
tu és, Eduardo,
o homem da minha vida.

*para Eduardo, meu mano.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Respostinha para Gabriel

Entre montanha e praia
doce e amargo
seda e cambraia
nada desprezar...

Não ter que optar entre manhã e tarde
arder vida inteira sem isso ou aquilo
pois que a cada nova escolha
me aniquilo
e junto ao que fica pra trás
há muito de mim que se desfaz

se é pra escolher
trapaça é o que sei fazer:
a trocar ligeira todo OU

por E, e E, e E.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

De amor e amores antigos

Hoje acordei resoluta:
Terminei com Marilyn Yalom
quis retomar romances com amores perdidos
que ela provocando delicioso incômodo
me recordara.

Feita a ruptura, a dúvida:
qual reviver primeiro?
Stendhal? Flaubert? Duras? Sartre?
...

Deixo que a noite me leve
bato, sem muita certeza
à casa de outro amor antigo
amaro e duro
ele me reensina uma importante lição:
"em amor é um erro falar de má escolha, havendo escolha, terá de ser má".

Imediatamente palpita,
em mim,
a razão primeira daquela paixão:
Valeu Proust,

presentão!

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Em guerra

neca,
nem novo dia
novo mês
ou novo ano

não estou pra boneca
e nada novo em mim fervilha
nesga de outono
nostalgia funesta
negada maravilha

ando às turras com o calendário
e de modo vário nos desentendemos
eu negaceio e ele grita urras
despejando seus venenos
ele avança enquanto eu recuo
me dá mais e mais
e eu querendo
cada vez menos.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Paciente

O velho latira a noite toda 
aquela tosse sem fim
ora sim, ora também,
ora sim, ora sim.

Esperou que a luz caísse do céu
com a salvação travestida de outras obrigações.

Antes das cinco,
saltou para o banho. 
Silenciosa,
saiu num pulo.

Embarcou para o trabalho no primeiro ônibus urbano
e seguiu adiante
espremida 
entre o cansaço e o alívio. 


quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Do valor dos meus versos

Vândalos,
me doo a eles
que me vendem
dividida em lotes.

Ensaturnada os crio e devoro
e crio
e devoro.

Deveras devo-lhes
a doçura e o deleite
essa dádiva de drama
e de dor não editada.

O que dinheiro não compra
e o que no livro não vendo
é a direta e delicada
delação do meu dentro
a digestão das minhas derrotas
dirimição das minhas dúvidas
e a direção dos meus intentos.





segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Convite especial para o leitor do Poesia Pura,

Pela Máfia do Verso, uma cooperativa de poetas de Roraima, lanço meu primeiro livro, "Amor para quem odeia". Com poemas em que falo de amor, selecionados pela Mestre em Literatura, professora Aline Cavalcante, ilustração de Clarisse Martins, apresentação de Christina Belinsky Ramalho, o livro é o terceiro da série, antecedido pelos livros ParTilha e Pouco Verbo, dos mafiosos Roberto Mibielli e Sony Ferseck.

O lançamento oficial de Amor para quem odeia será no Sarau Literário do IFRR, nessa quarta, dia 11/12, às 19h no Complexo de Artes do Campus Boa Vista, no Bairro Pricumã.

Caso você não possa ir ao evento de lançamento, os livros estarão à venda, a partir dessa semana, na Livraria da Universidade Federal, na Livraria Saber, ou pelo endereço mafiadoverso@hotmail.com, ao preço superpopular de 10,00 reais por exemplar.

Compre os livros da série Máfia do Verso para si e para presentear, afinal, com essa qualidade e esse preço, você não tem motivos para não apoiar a boa literatura produzida no norte extremo do Brasil.



*post editado devido ao cancelamento do Sarau do Quintal, que ocorreria na sexta feira, dia 13.

domingo, 8 de dezembro de 2013

mas feitiço é boomerang, 
vem seguindo a feiticeira...*

'ele não está nesse momento',
sem um lamento
saiu como quem não quer deixar lembrança
levou o perfume
o jeito moleque
o lume

não deixou sombra na retina
ou sobra na rotina
assim foi, fugiu
nem sei pra onde...

(vestido de indiferença
você aí, dentro de mim, 
por quê se esconde?)



*Sobre um verso de Lenine

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Sexta Negra

marcou-se em mil melindres
queixumes
maldades

moldou-se mundano
mostrou-se 
em muitas melhores mentiras

mudou as amarras mordendo malícias
e mediu-se em minúcias,
metodicamente esfomeado.
 
ensimesmou-se amuado,
múltiplo em maldade vária:
ameba, melagra, mal de chagas
melena, malária, tumor.

foi mau amiúde
e, meta mitigada
minguou mutilado
morreu desamor.



quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Foco no belo

Três horas,
impiedosa a chuva rompeu com a secura
e tudo fora lama e lágrima
 - fora eu, que era só
e deitada entre José e Pilar*
pensava antes no que a vida
nos nega nos quer legar.

Um raio rompeu com a árvore
a porta dos gatos batia
o celular sem sinal, 
a cor da vida que ardia...
e eu dormindo sem mal
entre um casal tão feliz:

pilares que mantém 
José de pé
Pilar 
e quem seria o mago?

Quase não senti o horror
da noite em claro
da cidade alagada
e da vida,
negada e legada.

Do amor de José e Pilar
extraí tanta beleza
que dormitei em Boa Vista
e acordei em Veneza.


*
José e Pilar, filme de Miguel Gonçalves Mendes.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

crepúsculo

dirijo
enquanto o sol tinge
de memória
e laranja
toda a terra.

finjo
que é do sol a dor que arde
e julgo
que é o dia quem vai tarde.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Pueril

feito criança
miro fixo
o sol do meio dia
encantado de seu calor
transbordo
em sal e poesia

cego
baixo a mirada
e infantilmente lamento
por toda a cor desbotada.





quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Então se sente
inominável
esse ente,
essa brita
que no entre das palavras
se ajusta ao suave silêncio
que desesperado grita.

domingo, 10 de novembro de 2013

Vidas como vidas*

diante da mesa a cara amarrada,
foi se desatando

domingo
os sons da feira já ecoavam
havia as cores do pão, do bolo, do suco
e aquele céu tão azul e tão sol
e tudo tão passarinho e verde de árvore

tão suave e tão bem
o cheiro quente de café
cortou no ar as ondas curtas
que surdas
ainda vinham quebrar
em seus peitos de maré.

*pro Caio, que também acordou apaixonado pela vida.


sábado, 9 de novembro de 2013

Fissura cardíaca

Com parcas frases feitas
facilitei diante da fera
que me farejou e feriu
ferozmente...

Antes do fim
festejo a furiosa presença,
a ferida,
a razão furtada,
e não rejeito
esse poema
fincado à força em meu peito.


terça-feira, 5 de novembro de 2013

"O amanhã vai virar hoje"

o tempo tudo come
come o coração do homem
e o amor que nele ia
come a cabeça do homem
e o que fazia e pensava

engarrafamos o tempo
em minutos, horas, dias
sem saciar sua fome
ele come as ousadias
do amor que nos consome
e da razão que nos vigia

e ainda come a si mesmo
numa eterna autofagia

*em resposta a um poema do Ivan, in: http://coracaoburim.blogspot.com.br/2013/11/sem.html

domingo, 3 de novembro de 2013

Inquietinha

de dentro do pote de vidro
envolta pelo mosaico
vê, multicolorido
um mundo em volta de um palco.

gostaria de tocá-lo
gostaria de comê-lo
gostaria de alcançá-lo
de dentro do pote de vidro...

pequenina, se agiganta
pelo desejo que a queima
e tudo fora lanceta
seu coração de menina

dentro do pote fechado
em pura alucinação
ela crê que seu olhar
já é comunicação
e presa não compreende
que o mundo que lhe chega
não é o mundo deveras
que as cores são ilusão
e que as luzes são quimeras.

enlouquecida a pequena
a todo o real resiste
pois quisera ignorar
de toda história o mais triste:
é ilusória a grandeza
que o desejo lhe confere
e nem sequer ela mesma
do jeito que se infere 
de fato existe.


quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Feitiço

sou consciente de que o tempo já me cobra
no peito a pele gasta do tambor
mas nunca temo a emoção que me sossobra
e ignoro o monstro em seu horror

senti o faro, o bafo, o gosto e o som presente
senti as garras sobre a pele enfim
senti o peito transtornado, adolescente
senti a rocha e o mar brigando em mim

não me enalteçam jovens que por vez primeira
caem nas teias, cheios de torpor
pois que é tolice estar assim, livre em cadeias
enfeitiçados por tão bom senhor

se não o espero, o amor arma seu bote
sei de onde brota a luz dessa manhã:
leva minha guia, juventude, castidade
sigo feliz se estiver viva e sã.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

história de voo

viro a página
reformo a vida e saio de viagem
vou levando adeuses e ideias na bagagem
companhia exata de um princípio sem fim 
sobrevoo o abismo
que há no centro de mim

retorno mais tarde
e a tarde furiosa e quente
beija a cidade muda 
e queima tudo com sua saliva
suave e incandescente

estudo o espaço 
e ensaio um golpe no ar escasso
sangrando e sem palavra
o coração na mão batuca, piano piano
um som qualquer, sem sentido nem graça

no oco do peito há um silêncio
e sem alarido 
vejo cega que tudo está mantido
no devido lugar:
 - inclusive eu 
que pousei sem pousar


domingo, 27 de outubro de 2013

Viagem

dorme? não dorme
sonha acordado
dias cantados
tudo poesia
tudo absoluta
e encantada correria

dentro de si silencia
violão e guitarra
cavaco e pandeiro

destilado, deste lado
desespera um inverno inteiro
pela nova primavera

joga-se no abismo que pra si escava
perdido labirinto da palavra
e por fim se vê no bucho do pássaro

de feliz o sonho se transveste
se faceiro cruza o céu azul
rumo ao leste.

sábado, 26 de outubro de 2013

Da cegueira diante dos quadros

era uma luz
de um verde esparso
por sobre a cruz
duns braços abertos
sussurrando: Jesus...

uma planta
de pé
espelhada
espalhada
branca
como todo o resto

era cegueira

era o rosa
a rosa de uma língua
vento
orvalhando pétalas
jardim implantado
na fronteira
da pele

era mais mas não saberia
como fazer caber nos segundos
de um dia
e no entanto cabia
na palavra chuva
que absoluta se espalhava
partindo da boca
de quem parte ilhava:

tudo.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Hoje

Quando o feitiço da conversão do amanhã em hoje se declara, emudece-se a dor e tudo é repassado. Tudo paz, tudo passado.

o hoje
age, ruge
alicia.

o hoje
gera jeitos
e angustia.

o hoje
é joia, jogo
e apostaria
que hoje, o hoje
que surge singelo
mas ligeiro foge
nos sentencia:
o que hoje
começa,
como o hoje
ferve
e logo esfria.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

discurso de posse

palavras são lanças
soltas no vento
surpresas,
sussurros.

palavras suaves
açoitam
assediam
são laços que prendem
se sibilam sinceras
os silêncios que pendem
de antigas quimeras.

são desvio e são caminho
que me fazem limpa e sã.

minhas palavras
são sonhos e são passos
e se apossam
de tudo que abraço.

domingo, 13 de outubro de 2013

historinha com final feliz para o dia das crionças

sorrateiro ele a espreita
lança-se de surpresa
e a leva consigo para o meio da pista
 - que conquista!
dançam e entre volteios
ele ensaia um galanteio
e segreda-lhe ao ouvido
que a tem lido
e muito gostado.

ela pára para reparar melhor
e diz-lhe, como a ela convém
com suave espanto e desdém:

pois todo homem é cego...
para saber-me sem medo
para entender o segredo
é preciso mais que uma lida
mais que uma vida ou um baile:
decifra-me e devoro-te,
lê-me agora,
mas lê-me em braile! 

sábado, 12 de outubro de 2013

O que a vida dá*

Presentes:
eu presente, tu presente.
Presentes.
Nós presentemente.
Apresentados.

( - Pressentes?
Presenteados!)

*Parceria com Ivan Lima

terça-feira, 8 de outubro de 2013

CHATEADO

cerveja na mão, senta e tecla
apaga
e tecla
e volta a apagar

em volta música, uma
e outra
e outra

excederam linhas
numa lavra louca
pouco contido
o palavreado
tudo em coração transformado
transtornado mundo
livre de horror e cinismo

sem mirar o fundo
saltaram no abismo

domingo, 6 de outubro de 2013

livre

ela esbarrou na porta
frente fria invadindo a sala
nucas arrepiadas
olhares vertendo estupefação

a reação provocara um surto
o ar revolto quase tocara o chão

nem percebera o tornado
que se formara
colheu o copo com água como um padre reza benção
não despejou sequer uma gota de interesse
e saiu em silêncio,
com a alma nua e o corpo são.

sábado, 5 de outubro de 2013

não
nem tudo tão fofo
há palavra brita atirada na pele
há palavra sal na mucosa
do olho
há palavra fel destilada na papila
nem tudo fofo
nem tudo doce
nem tudo de amor cintila

mas quando teus olhos
colhem com ternura meus amargos cristais
pouco me importa se a vida dói ou desfaz:
embrigada de vaidade
eu gozo
e quero mais!

terça-feira, 1 de outubro de 2013

dane-se
dane-se o que pensa
dane-se o que vê
dane-se o que se dana
nessa fresta, nesga
nesse entre
teu juízo
e minha fala
porque o que digo
pra mim mesma
vou ouvir
mesmo que seja
um sussurro desesperado
calando um berro de amor
e enchendo esse tempo de danos.

sábado, 28 de setembro de 2013

posted by Joe Nuzzolo, www.dali.com
e a ponto de explodir
você percebe então
que bancar a boneca inflável
não será solução
é esse silêncio que te vinca a face
te engorda e faz sumir
é essa boca fechada o que te mata
a fachada de quem se engana
sob luz de anulação

volte a gritar
criança mimada em corredor de mercado
para ser inteira
esqueça o outro e a gentil educação
que tudo rua
que tudo trema
que dance o chão

exploda pois você sabe
que ser a boneca inflável
não é boa solução.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Tecer e te ser

as palavras
feito pedras de sol
brilharam à exaustão

depois cansaram-se do excesso
sentiram-se soltas
sibilando sem razão

quase silenciosas
desfiam sombras
do entretecido coração 





domingo, 1 de setembro de 2013

Inveja da Barbie

bom é não lembrar
que se leva nada dentro
do corpo
bom é ser cabeça e ter
apenas os problemas que ela cria
quando o corpo começa
insistentemente
a dizer que existem
rim, pâncreas, coração
estômago e outras coisas intestinas
por um átimo me some a graça do amor
das meninas
dos gatos e cães
das rosas e camarões.

neste dia
sobre corpo concluo
que bom mesmo é ser vazia

domingo, 18 de agosto de 2013

Ré vertida*

é o verso inverso na canção
o acaso e o destino num refrão?
duas faces da moeda?
uma pedra no caminho?
e será o acaso um destino
que não se revela sozinho?
sei não.
mas caso o acaso seja
um destino que se enseja
antes da interpretação
não será o destino um acaso
em via de dupla mão?

*para Rodrigo Mebs

sábado, 17 de agosto de 2013

Revenge

ave!
uma chuva de olhos
sobre mim
ele pisava em ovos 
e eu soprava breves beijos 
por entre os lábios 
avermelhados

envaidecida
provoquei, me verti
na vaga do tempo veloz
voraz e sem valor
avalio
envileci.

fora vertigem
voo, viagem 
na avareza do instante
não me contive e vi
a vingança virgem
brotando suave no vento
e me valeu viver
por um momento
como quem vela
um inimigo inválido.

domingo, 11 de agosto de 2013

Do meu dia dos pais

Hoje é dia dos pais e eu, planta brotada, amanheci imersa em imagens, pensando e repensando o que sou...

Vi minha mãe, 
no distante oitenta e dois...
era um março? abril? era julho?
no meio da sala da avó
chorava a ida do pai 
tupi de quem herdei o orgulho
perdida raiz do que sou.

Depois,
há exatos vinte e dois anos atrás
num agosto
"mês de desgosto"
e "de cachorro louco"
não foi pouco o susto
quando o doutor me disse
que eram três bebês...

Ainda revi meu próprio pai,
naquele longínquo dia dos pais 
brindando com vinho barato
à minha barriga e seu conteúdo abstrato
(não havia caras nem nomes
nem lindas bochechas de apertar).
Num dia em que tudo foi susto
e dúvida e sombra e espera no ar
meu pai comemorava seus frutos
e os novos braços de sua árvore a brotar.

Saio do mar da memória
cansada de nadar
vou mexer no jardim: 
é domingo, o céu azul
flores novas, terra à vista
coisas que faço por mim.

A vida mais florida
rosas, gérberas, onze horas
e na manhã que parecia sem fim
ressoa a notícia: Geralda falecera.
Meu tempo pára.
Penso em minha mãe perdendo a mãe num dia dos pais,
penso na velha imersa em novos ais
penso na mais funda raiz que eu possuía
e que agora, quase sem função
nessa árvore cheia de galhos e frutos 
larga-se da planta para integrar-se à terra.

Revolvo o coração
as mãos sujas de terra e de lágrimas
por ela, por minha mãe e por mim
por meu pai, pelo pai de minha mãe, pelo pai de minhas filhas
pela vida, que assim sentida
tem-me algum sentido
mesmo quando finda.

Ainda chorando abro um sorriso
lembrando do sobrenome que eu tanto desejei
e que Geralda, minha avó, leva consigo:
Gozzo.


quarta-feira, 31 de julho de 2013

Tristeza passa*

nascera manhã clara:
mas claramente
não sentiu.

nublou-se
reviu o que foi,
o que não foi
olhou no espelho
e não se viu.

depois de noites
em queda torrencial
cheia e grave,
inexorável como um rio
reencontrou-se
e feito um sol
sorriu.


*Para Beatriz e Mirella, por distintos e iguais motivos



segunda-feira, 29 de julho de 2013

Aventurazinha

mesmo que seja
um voo de galinha
paralisada em mim
a menininha
está sem palavras

talvez porque seja nova a lavra
e, no momento tão ansiado 
- iniciado o salto - 
teme pousar os pés do outro lado.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Quando Sampa

quando você me toca,
me entoca a tristeza
quando você encontro
no encanto novo
a raiz que de mim pende
para o chão que suave se fende
dói inteira, feito ferida
porque é avenida o tempo
e larga a lida
e porque mais do que de dinheiro
e cimento
é feita a vida.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Parceria*

quando bem compassa
o passo
e tudo samba
em azul e branco
e em verde e rosa
em seu braço
todo prosa
eu canto.

quando desanda
o passo
e tudo tango
e vermelho e negro
com seu braço
na beleza trágica me alegro.

e quando se pára
e nem há balanço
quando tudo cinza
cansaço e ranço...
só me abrace forte
que eu ainda danço.


*Pra quem sabe dançar junto, mesmo sem saber dançar

quarta-feira, 3 de julho de 2013

40 anos

livros e versos e frases
histórias e músicas
sonhos e ismos diversos 
caminhos desfeitos
abandonos e perdas
belas coxas, belos peitos

pequenas conquistas
enfraquecidas vistas
antigas e novas trilhas
vitórias incríveis
pernas cansadas
coisas
filhas

junte-se a isso
o desejo de completar todos os 'ENTA'
até chegar nos 'ENTO'.

 - carregando tudo em mim
será que eu aguento?

sábado, 22 de junho de 2013

Democradura

a semente palavra
contra pedra
é luta brotada
na bruta brita
e se espalha frágil

aí vem a bota e pisa
aí vem a rasteira:
"tira a camisa
abaixa a bandeira!"

no fim
resta o vazio
no que foi promessa de jardim.



sexta-feira, 21 de junho de 2013

Paz na rua

Ah, a rua. Esse lugar mágico
quando fugimos de casa
esse espaço trágico
onde moram os esquecidos
bem ali onde habitam viciados
cães e crianças abandonados
onde o filho da classe média
faz racha com o carro do pai
ali onde se anda de skate
trabalha a meretriz
e o bêbado cai
lugar de ser feliz
onde se trai engana e mente
a rua onde se unem
pacificamente
culpados e inocentes

é na rua cheia
que os zumbis passeiam em pilhéria
gritando contra o indefensável
e dizendo coisas óbvias
que somente a cegueira
dos que sempre tiveram tudo
esconde.

" - sem violência!"
nesse sistema
que garante que para muitos tudo falte
enquanto para outros abonde?
me digam,
"Sem violência"
aonde?

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Porque não

estava fria
e em solo frágil 
não se finca a poesia


segunda-feira, 10 de junho de 2013

Visitada


era escura a noite densa
seu calor tocou-me a nuca
arranhando-me a alma.

feito nascituro que ainda não pensa
menino que ninguém educa
entreguei-me ao cio com calma.

era noite densa e escura alma
quente e calma me tocou intensa
com caninos brancos reluzindo à lua

quieta
vampirizada, entregue e nua
nunca minh'alma foi tão completa.


sexta-feira, 7 de junho de 2013

Ensinando

Ele tem uma inquietante
e delicada dureza sob a pele alva
suas verdades tão firmes
quanto provisórias
cintilam nos olhos que engolem palavras

é o desejo de saber
que me denuncia o homem enorme
que ali pode se formar

por enquanto, solo fértil e bruto
quanto amor será necessário
para que esse broto faça flor e fruto?

pouco me importa:
estou disposta a dar.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Banal

há em mim uma forca
que não resiste ao peso
uma arma que não dispara
uma lâmina que não corta

não estou viva
nem morta.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Inscrita.

Diante da encruzilhada
ela se despacha
na escolha de uma nova trilha.
Nada é fácil
quem disse que viver seria?
Deixar pra trás
muito do que se ama
faz parte da trama.

O medo da águia que se lança no abismo.
Eu cismo.
E finalmente
jogo corpo e alma no desconhecido.

sábado, 25 de maio de 2013

A propósito da História dos Brinquedos 3*

A gente já sabe disso 
quando nasce...
mas quando vejo
a criança ir embora
embora eu saiba
que já é hora,
diacho...
é esse riacho 
lavando a face!

*Para Clarisse, Rebeca e Helena, meus eternos brinquedos


sexta-feira, 17 de maio de 2013

Homenagem a A., uma triste história de amor e ódio


Obra de León Jean Basile Perrault em www.allposters.com.br

Éramos amigos e tínhamos 16 anos. Ele se apaixonou.
Depois de muito ensaio, dúvida, medo, resolveu contar para a mais antiga amiga o que acontecera:
- Mãe, acho que estou gostando de alguém...
Ela, entre enciumada e orgulhosa do filhote, respondeu rapidamente:
 - Que não seja uma pirainha, meu filho...
Não era. Estava apaixonado pelo melhor amigo.
A mãe lhe disse que esquecesse essa bobagem. Que tirasse isso da cabeça. Que lhe tiraria da escola se fosse necessário. Que seu pai ficaria furioso se descobrisse.
Apaixonado, não conseguia pensar em outra coisa ou pessoa. Lhe agradava profundamente a voz, o modo inteligente, expressivo, espontâneo e bonito do amigo...
Logo o pai descobriu e o interpelou. Ele respondeu com a audácia de um menino de 16 anos apaixonado. Tomou uma surra. Suas roupas foram jogadas na rua: expulso de casa.
Era 1989. Não compreendíamos qual era o crime de gostar ‘de meninos e meninas’. Cantávamos a plenos pulmões que éramos tão jovens e que era ‘preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã’. Ele se virou. Amigos lhe deram guaridas temporárias, mas era preciso arrumar um trabalho de tempo integral. Largou da escola.
O tempo passou. Eu me casei, tive filhas. Ele, depois de muitos trabalhos, empregou-se no Correio. Conheceu outro rapaz, com quem se uniu. Compraram um apartamento na COHAB, estavam felizes, tinham planos. Abrigaram um gato de rua e ajeitaram com flores e cactos a casa pela qual ainda pagariam por muitos anos. Era 1993. Tudo parecia bem.
Uma tarde, voltando para casa, um acidente de carro, ele na calçada: atingido. Não houve tempo de desviar. E perdi um amigo.
Morrer faz parte, já sabia, ainda que doesse muito. No velório, cantamos nossa dor: “é tão estranho, os bons morrem jovens”. O viúvo, hostilizado pela família de A., sofria duplamente.
Depois disso ainda fui à sua casa, chorei com ele ao saber que a família de A. entrara com um processo para despejá-lo do apartamento, que estava em nome do filho morto. 
Em 1998, por mandado da Justiça(?), a família de A., que um dia o colocou na rua, surrado e humilhado por amar um homem, teve definitivamente o direito a ficar com o espólio do filho.

Hoje é o dia contra a homofobia. Escrevo para homenagear meu amigo, um homem de bem que só queria amar e ser feliz. E para seu viúvo, que hoje felizmente refez a vida em São Paulo.
Já não sou mais ‘tão jovem’. O tempo passou rápido. Preciso tentar impedir que alguns lances dessa história se repitam, lutando contra a homofobia e o reconhecimento pleno da União Homoafetiva. Porque todo dia é dia de amar.

(Um dia te encontro, querido A. E cantaremos juntos que “o sistema é mau mas minha turma é legal/ viver é foda, morrer é difícil...”. E faremos um filme mais feliz.)


sábado, 11 de maio de 2013

Ao cão na calçada
à cria abandonada
ao desespero suicida...

à mãe agredida
ao pai violento
ao filho esquecido
ao gesto sangrento

à natureza violada
à desigualdade exaltada
ao jovem e ao velho
que conservam o horror...

à cristandade corrompida
ao mundo e à atual vida
o que falta:
Amor.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Do puro mal

Vem crescendo, 
entre a carne e a rija unha
um verme torpe e irritante,
filho de uma seta.

Diria o mais rígido poeta
que não é imagem que se projete,
mas é exatamente a que me ocorre nesse instante...

Fico cega, enrijecida e sem desejo,
como quem já não quer da vida o cume
pois me rouba o amor sentido, num cortejo,
o abominável verme do ciúme.

sábado, 4 de maio de 2013

Pra te celebrar*

quando pintaram a tela
não sei se terror ou festa
preparavam aquelas duas...

vestido verde floresta
que deixava as outras nuas
duas meninas dançavam!

são três meninas tão doces:
duas posam na janela
denunciando um mar 
intenso sob a'quarela...

como não amar 
o lindo olhar 
e Mirella?


 *poema para Mirella Miranda, por seu aniversário

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Carta pra mim

Então você se encanta. Conta as horas, acata o coração.
Então você move ventos e vidas, você voa, vai atrás.

Então o tempo passa.
E o tempo pára com você e te faz descobrir que há algo a dizer.
Então você passa. E percebe que não há ninguém pra ouvir
o gemido surdo
do medo no seu peito confinado.

Então você desencanta.
Pudesse e arrancava o coração.
Você estanca, as horas não passam.
Você se verte e encharca o chão.

No espelho das palavras não se encontra,
olha para o céu e vê magenta.

Não importa o tempo, querida,
há tempos você não se aguenta!

terça-feira, 30 de abril de 2013

Vou vivendo II


parceira do pranto
do preço e da pena
à prova da pressa
opressa e sem graça
de posse da pose
de dona do acesso
a pedra:

e eu passo!

* para Heitor.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Vou vivendo

amor escasso, cansaço,
tropeço,
me perco em minha cabeça
caminhando entre escombros
mas não me importo,
porque a vida não exige guia,
a vida força
empurra, obriga
feito um tiro entre pombos

a vida é a melhor vacina
porque ela vaticina
lancina
ensina
assassina

e eu, resignada
me reservo o direito de ser
só aquela que embaixo assina.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

amor pra quem odeia*


o amor campeia
que seja

quando tuas penas partirem, asas
quando novas nuvens surgirem, casas
quando nossos corpos rugirem, brasas

e nem demônios nem igrejas
nem inveja que vareja
na cabeça malfazeja
de quem julga sem amar
nos farão parar!


*porque não entendo nem aceito o discurso do ódio contra o amor.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Respeito

gosto de expor as negras garras
ouvir o estalar dos ossos despreparados
corroer a pele antes que a dor lhe doure
gosto de destruir angústias e desejos
oferecer vagos sonhos e mornos beijos
provocar, amar, mais amar.

depois gosto de descansar em paz
sob uma sobra de silêncio,
que estabeleça pausas e distâncias
sombras de solidão

gosto de tranças e danças
antes de adeuses discretos
e que a cabeça descanse
sob os mais duros decretos
de abstinência e torpor

porque de inúmeros nãos
do sim compõe-se o valor
é que respeito os desvãos
e os vais e vens do amor.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Destroços*

se é silêncio que lhe falta
aprendo a fazê-lo sem medo
engulo ideias, remoo palavras
entorno o que sou
destronado e só
sem importância nem gosto.

e quando o gesto repetido
tornar-se ébrio e anteposto
à paixão que cativou seu 'esperto ser maduro'
juro
não ouvirei seu chamado
estará pronto e alto o muro
e sob o pó
tudo acabado.

*ou Ameaça?

domingo, 14 de abril de 2013

um domingo a mais

só entre os seus
desejava constante
a ausência de si

e era assim o dia em vão
domingo de sol
e solidão

quinta-feira, 11 de abril de 2013





Oxum me lava a alma
eu pó, viro lama,
e de mim se derrama
todo vestígio de trauma.
Esquecida de quem não sou
deixo que dor me deixe
me entrego
e me integro sem mágoa:
raios, gotas, rocha, peixe,
serena e doce mãe d'água.

terça-feira, 9 de abril de 2013

American Roses*


Tarde cinzenta e fria
Um soldado jazia em plena solidão
E numa fotografia
A mãe lhe sorria, servindo perdão
Era tão tensa e vazia
a monotonia do campo sem flor
com tantas rosas vermelhas
brotando de peitos sem vida e valor

Quem? Quem? Quem irá voltar
Quem? Qual? Quem? Quem irá voltar?

Ao limite chegará
Espalhando a cor do caos
A demência, o ódio, a dor, o adeus

Pouco se revelará
Que doente viverá
A perambular perdido entre os seus

De nada importará
Se algum deles voltar
Esquecido pela vida e por Deus


*para os veteranos do Vietnã, do Kwait, do Iraque, da Sérvia...

sábado, 6 de abril de 2013

Par ou ímpar?*

eu prefiro o ímpar, sim
o ímpar em que sobra um
que permite um par de três...

porque também me agrada o singular
eu prefiro o ímpar ao par
prefiro o real que deixa gente só
prefiro o número que não tem dó.

eu prefiro o ímpar ao par
o ímpar na cerva e na erva
a sobra na divisão

amor de reserva
pra espantar a solidão.

*fruto de uma conversa etílica com meu amor

segunda-feira, 25 de março de 2013

Hoje

quando o sol assim invade
a janela do meu quarto
e me açoda para a vida
 - sem saber se me interessa -
comovida levanto-me sem pressa
cheia de covardia
e pela preguiça, infunda...

não é que odeie esse dia
 - mas hoje, especialmente,
eu pularia a segunda.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Quase livre

entre cruzes e espadas
entre gritos e guitarras
entre terras e tremores
entre o verbo e seus amores
entre o crime e o inocente
entre a conta e o contente
entre encanto e um canto à toa...
por entre fendas, fios e fundos
inventando novos mundos
com poesia
minha alma voa.

sábado, 16 de março de 2013

Feliz e mais nada




















Imagem gentilmente cedida por Andrea  Cordeiro, bonequeira na empresa A casca da Cigarra.

eu corro por aí
meio rei, meio não sei
cheio de fastio
um seco rio

eu ando por aí
rei destronado
escravo de mim
desorientado

me arrasto por aí
sem desespero nem pressa
pra quem não está perdido
o caminho pouco interessa

e por aí não me encontram
nem tremor nem medo
faço da vida somente
meu melhor brinquedo.

segunda-feira, 11 de março de 2013

Velho Lucas*
















Assim que por gente me entendi
por sua causa acreditei
que namorava um bem-te-vi
e pelo amor me apaixonei.

Você tirou meus dentes de leite
e dizia à 'sua menina'
que deveria jogá-los no telhado
declamando uma rima...

Foi você quem me ensinou
a ouvir música pela letra
a desenhar letra pra fazer o nome
e a decifrar letra pra entender o Pato Donald.

Quantas vezes cortou minha franja?
Quantas vezes fingiu brincar de manja?
Quantas vezes me fez ler um mapa?
Quantas vezes me educou no tapa?

Num doze de março você veio ao mundo
sem saber como seria profundo
o sulco na alma da filha mais velha
que tanto temeu ver analfabeta.

Acho que deu certo, meu velho pai
você atingiu sua meta...
e a ninguém, mais do que a você,
responsabilizo hoje 
por eu pretender ser poeta.


*que completaria setenta anos em 12/03/2013.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Ser mulher


Para piorar meu desprezo
pelo dia e a vazia retórica
meu corpo argumenta com o peso
persuasivo da cólica.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Sem medo

as horas
vão deslizar suaves pela pele
como beijos mornos e sutis
e se abolirá a vertigem dos dias
num desejo pintado a giz

nenhum encanto ou desespero
para se guardar na lama da alma
nem gosto nem gesto nem cisco nem susto
tudo tranquilo, nem pedra, nem ar

imagino assim, isso de não ter corpo
e ainda que não anseie
não temo o estar morto.


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

"viver não é preciso"

quando manhã terra firme corria o engano
olhos marejados numa cabeça de rocha
parado e perdido entre ondas
de pensamentos sem rota

se desbota e,
quando tarde arde o que o irrite
dorme numa profundeza sem limite

quando noite, recorre sem plano
ao mirador do peito
e sua tocha-farol
lança-se no mar de perdidas cabeças
sem lemes nem mapas nem medos
navega por entre sombras e segredos
como quem a si mesmo atravessa

madrugada avança
e o ciclo recomeça.





quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Calada

meu silêncio não é paz
é antes vulcão contido
lavando cada canto
me endurecendo por dentro

para quem quer ver
é nítido
o sorriso estático
na boca tensa
e o olhar de quem simplesmente pensa
em nem mais ser


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Erva daninha

quando se espalha
não tem jeito...
mágoa plantada
faz brotar água salgada
é pedra no peito
seca a flor,
gasta a terra.

mágoa plantada
e a vida
emperra

prometo não adubá-la
mas peço por você e por mim
tem cuidado com o que lança
no jardim.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Antes tarde

sem tabus nem tabuleiros
a tarde 
ardeu em nossas peles:
braseiro.

eram notas desencontradas
os gemidos
e no calor
os nossos pesadelos mais temidos
afogaram-se em mares de suor





segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Para Gabi*

Gosto quando a carne grita
quando a palavra brita exige reação
gosto de ver o humano quebrando
o que se convencionou
deveria ser equilibrado, metódico e imparcial

porque humano que é humano ferve
e gosto de quem ferve antes do final
de quem não consegue
apenas ficar olhando da janela

(hoje estou gostando muito,
sem igual,
da marília gabriela.)



*por seu 'porra' e tudo o mais durante a entrevista com Silas Malafaia

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Rudeza

todo dia luz
e a claridade tanta
daquele amor o cegava

um dia amanheceu treva
comeu e cuspiu no prato
pisou no rabo do gato
gastou desdenhou rompeu

fez com o amor uma mancha na parede
pra lembrar que o mundo é rude
e não varia

afogou-se
e morreu de sede.



segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Despreparo

quantas patas têm
as formigas do teu desdém?
em mim procuram comida
açúcar, trabalho, guarida?

por ora descanso
bebendo formicida.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Processada

cansada
de fazer cara de fada
para o falho, o feio e o fútil
cansada de fazer finuras
a quem nada entende 

cansada de fingir
que fiascos são festas

admito
há certa crueldade mesmo
em dizer cada palavra
proferir verdades
como quem joga facas

há vingança
contra o que é vil 
e sem valor.


terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Saudade

Sua pele limpa
cheirava tão bem...
eu enchia
os pulmões de alegria.

Seduzida
fiquei tonta
e mudei de vida.

Te comia com os olhos.
Habitando em você
satisfeita e orgulhosa
quis ser tua filha, tua amante
tua esposa e namorada
eternamente apaixonada.

Hoje pela manhã
antes mesmo do sol nascer
junto do vento que te visita em janeiro
busquei-te, ávida.

E o dia inteiro
me corrói a dúvida dolorida:
onde está você, doce menina florida?

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

desamor

ali estava eu
unhas e boca vermelhas
cerejas oferecidas
pra essa e outras vidas

ali estava você
cego surdo mudo torpe
mau, sisudo, roto e só
puro pó

era de um desprezo louco
o destino rouco que me rugia
e eu não fugia.

o dia reverso
ressurgiu perverso
e claro de terror:
desbotadas cores,
cerejas murchas,
desamor.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Insaciável

a verdade 
é que te anseio
vivencio 
e me vicio

por isso
- a qualquer preço - 
negocio teu ócio

por isso
-sempre que posso -
te alicio

sim,
meu vício
é nosso cio