Me olha de longe
morreu
virou monge?
É paisagem dentro em mim inalterada.
O coração pergunta a cada baque:
é noite? venta? neva?
chove? é seco? geia?
não sei
de ausência cheia
observo o amanhecer
na lembrança congelado
antes fosse ar em movimento
mas é amor
numa montanha de sal
sob o mar conservado.
quinta-feira, 27 de março de 2014
terça-feira, 25 de março de 2014
Monumento ao 25 de março.
por toda palavra, todo gesto
todo punho fechado
erguido em justo manifesto
por toda discussão, toda política
e toda história
a memória dos irmãos criados, da mãe cuidada
das mulheres adotadas
dos amigos sinceros.
por verdades duras em horas necessárias
e omissões importantes para aliviar a dor
pelo companheiro que fostes
amigo, amante, aluno e professor
pelo sol que te saía dos olhos
pelo sorriso que alargava o dia:
minha poesia,
meu eterno amor.
todo punho fechado
erguido em justo manifesto
por toda discussão, toda política
e toda história
a memória dos irmãos criados, da mãe cuidada
das mulheres adotadas
dos amigos sinceros.
por verdades duras em horas necessárias
e omissões importantes para aliviar a dor
pelo companheiro que fostes
amigo, amante, aluno e professor
pelo sol que te saía dos olhos
pelo sorriso que alargava o dia:
minha poesia,
meu eterno amor.
segunda-feira, 24 de março de 2014
Sem feliz aniversário*
olha
voltou a chover na cidade
não deve mais ter labareda dançando no campo
e o rio logo cobrirá a praia.
olha
talvez a temperatura caia...
com a telha transparente a cozinha ficou mais clara
e logo os mosquitos invadirão tudo.
olha
sinto falta dos meninos,
o carro precisa de reparos
e na Universidade tenho mais horas de estudo...
olha
tem tanta coisa pequena
dessas que se amontoam pra compor a vida
e se pudesse você me perguntaria
sem interromper a lida
- e daí, minha dramática?
hoje entristeço e sorumbática
já sei de tudo
quando miro pra dentro
teu olhar me mostra a mim.
noite de vinte e três de março
a chuva voltou!
se tudo retorna
por que você não renasce?
o dia seguinte me atesta que é drama a vida que permanece
- pudesse eu e me extirpava o calendário -
antes nunca mais essa dor, o desvario,
o retorno vazio e sem festa
do teu aniversário.
*para Vavá, que ao menos dentro de mim aniversaria de novo.
domingo, 23 de março de 2014
Do tipo que se encanta
feito barranco sob a chuva
lentamente vou me deixando imergir
mesmo sabendo que a corrente embaixo
é feita de um caldo de promessas fáceis
lassa e travessa me entrego
escorrego toda, cabeça e coração
em troca de tolas tardes e vazias palavras
me dou vazão.
mas vou ao fundo
e me demoro
porque tudo em volta é novo mundo
rocha, custo perceber que a correnteza seguiu
que é outro o rio
que pouco ficou
além de meu corpo só
mas sei que estou inteira
quando alguém à beira
me recolhe
me vende como novas
as velhas promessas
me interessa
e joga de volta à margem
do fundo à margem ao fundo
essa é a ameaça:
amar é viagem e a vida é um trago.
Resisto
e se o preço é esse
eu pago.
terça-feira, 18 de março de 2014
Passageira
sábado, 15 de março de 2014
abraço amarelo
quente
depois descemos a ladeira
um do outro ainda rente
era noite e era dia
junto à calçada um veículo
se movia
e sobre nós desabou
mortal
imenso muro
em tijolo e pedra e cimento e cal
foi em segundos o assalto
a visão da ladeira, do veículo, do muro
a solidão profunda do meu peito contra o asfalto
e o escuro total
no último instante
antes de acordar, assustada e arfante
não foi grito nem dor
o que se revelou
mas angustiada descoberta
reconhecimento, torpor
em meio a verdade incerta:
- então foi assim que eu morri!
quinta-feira, 13 de março de 2014
porque eu quis
porque era azul e não desbotava
porque foi surpresa em gesto e gosto
porque estava à espera quando eu
desesperava
porque de juventude me cobriu o rosto
porque seguia adiante quando eu não podia
porque chorou meu pranto e riu minha alegria
porque compartilhou um átimo da vida...
porque desacatou todos meus receios
sem, contudo, meter-me freios
foi que eu o internei, sem mais rodeios
sob o esquerdo de meus rijos seios
e que ignoro essa pergunta ardida.
e que ignoro essa pergunta ardida.
Pra alegrar Francisco.
(O nego me pede um poema
não me recuso
fazer-lhe de tema, nego?
te pôr pro meu uso?
Olhe que eu abuso
e te ponho em problema...)
Mas me disse que anda triste
e o dedo em riste da vida
me comove
daí que a pergunta em mim persiste:
'bora nego, brincar de love?
plantar uma lagoa sobre o que nos magoa?
respirar sem dó o ar que enche
esse vazio?
'bora nego, prum banho de rio?
'bora entrelaçar a língua
em insidiosa prosa?
sem pensar em depois
'bora esquecer o juízo
nós dois?
invadir o paraíso
destruir a dor?
'bora nego,
brincar d'amor?
não me recuso
fazer-lhe de tema, nego?
te pôr pro meu uso?
Olhe que eu abuso
e te ponho em problema...)
Mas me disse que anda triste
e o dedo em riste da vida
me comove
daí que a pergunta em mim persiste:
'bora nego, brincar de love?
plantar uma lagoa sobre o que nos magoa?
respirar sem dó o ar que enche
esse vazio?
'bora nego, prum banho de rio?
'bora entrelaçar a língua
em insidiosa prosa?
sem pensar em depois
'bora esquecer o juízo
nós dois?
invadir o paraíso
destruir a dor?
'bora nego,
brincar d'amor?
terça-feira, 11 de março de 2014
Oral
me aqueço na manhã preguiçosa
cobrindo de pele
os beijos
lábios lentos
roçando palavras
suaves, sedentos
o vento, velho libidinoso
lambe desavergonhadamente
uma cortina
e a luz penetra silenciosa
quando dispenso o trabalho da retina
pois é de puro breu
essa hora torpe que me bate
me alucina e morre à míngua
em que renasce a doce prosa
feita com a tua e a minha língua.
cobrindo de pele
os beijos
lábios lentos
roçando palavras
suaves, sedentos
o vento, velho libidinoso
lambe desavergonhadamente
uma cortina
e a luz penetra silenciosa
quando dispenso o trabalho da retina
pois é de puro breu
essa hora torpe que me bate
me alucina e morre à míngua
em que renasce a doce prosa
feita com a tua e a minha língua.
sexta-feira, 7 de março de 2014
De Maria e Sofia - pelo seu e nosso dia
Quero contar pra você
que me ouve ou que me lê
uma história bem antiga
mas que até hoje me instiga
e precisa ser lembrada:
É história de Maria
e de Maria Sofia
uma história de virada.
que exato por ser Maria
é que ela não poderia!
A bem mandada Maria
ouviu essa cantoria
e seguiu ressemeando
proposta de acinesia:
Maria disse à Maria
e a João, a Pedro e Bia
que às Marias não caberia
e a homilia se estendeu
por séculos, meses, dias:
Maria não deveria
somente por ser Maria!
Um dia, certa Maria
filha e neta de Maria
questionou a acrasia
vinda já por tantas vias
de amigas, primas e tias.
A mal mandada Maria
julgou que não deveria,
por ser Sofia Maria,
condenada à afasia
e à eterna paralisia.
E Sofia não queria
negar em si a Maria
tampouco também queria
viver em autofagia
achava que sim, podia,
que o corpo a si lhe cabia
queria sair à rua,
voar com o vento que ia...
Com toda sua energia
pro outro lado do mundo
Sofia se transporia
e a todos gritaria
e às Marias chamaria
seu sorriso espalharia
com respeito e alegria
os direitos que exigia.
E ninguém lhes imporia
silêncio, por medo ou cria,
aquela monofonia
de que ela não deveria
somente por ser Maria
Maria é quem quebraria -
Maria e Joana e Lia
E Adélia e Ana e Luzia
E Antônia e Clara e Sonía.
Esse grito de Sofia
- a mal mandada Maria -
ecoa em mim todo dia
e exige que eu não me cale
pra que a injustiça se abale
uma certeza me guia:
a voz de quem quer que fale
que exato por ser Maria
Maria não deveria
é machismo e hipocrisia!
Essa história tão antiga
continua, amigo, amiga
precisando ser contada
pra que brotem e vicejem
outras Marias que almejem
nunca mais ser bem mandadas.
Se um mundo de igualdade
de amor, de liberdade
é o mundo que nos convenha
que morra o gesto covarde
e que nasçam todo dia
mil e uma mais Sofias
como Maria da Penha.