terça-feira, 18 de agosto de 2020

"Quando a indesejada das gentes chegar..."*

MUNCH, Edvard. No leito da morte. 1895. Óleo sobre tela. 


Não, minha senhora 
eu não sou como era outrora,
quando eu corria muito pra chegar em primeiro
trocava fácil pelo trabalho, o travesseiro
respirava em stacato
ia pra festa mesmo cansada e apertando o sapato
me preocupava com a cor da moda
e em sentido lato
queria ser a que não incomoda.

Eu não tenho mais tanta energia
pra levantar cedo, iniciar o dia
tomando água com limão por brigar com a barriga
e aceitar o sim e o não de quem, para mim, nem liga.
Não tenho mais força para ver 
banhados num discurso que ordena que eu me informe
sufocados pela rotina de noticiários baratos 
a beleza e potência dos meus talentos natos,
não consigo mais manter a consciência disforme
que determina: "se atenha à realidade dos fatos"
e os meus sonhos e desejos, estrangula
e o melhor de mim, em mim, anula.

Eu não tenho mais força para competir com os irmãos
mover céus e terras e fundos e pernas e braços e mãos 
em benefício do que rezam os mais antigos sermões
nessa disputa em que ganham apenas e só os patrões.

Não minha senhora,
eu realmente não sou como era outrora
e há tempos, nessa vida
não tenho mais
nenhuma vida pra jogar fora.
 

*Verso do poema Consoada, de Manuel Bandeira.

5 comentários:

  1. Senhora... Outroraas coisas velhas j"passaram, eis que tudo se fez novo".
    Amo-te, Eli!!!

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  2. Sempre te amei assim... te amo assim também. Como você é!

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  3. Te entendo, Eli. Seguir mudando e se apropriando de nós mesmas é o verdadeiro poder da mulher selvagem.

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  4. Eli esse diálogo e com a senhora morte ? Eu ando pensando tanto nisso , na nossa finitude. E como tudo deve ser visto com outros olhos. Tua sensibilidade é incrível.

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  5. Eli esse diálogo e com a senhora morte ? Eu ando pensando tanto nisso , na nossa finitude.

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