São Paulo. Imagem disponível em https://pixabay.com/pt/brasil-edif%C3%ADcios-cidade-cityscape-1842205/ |
enorme e disforme útero blue.
Jovens descolados
ainda andam sós ou em bandos
ainda falam alto ou fecham as caras
cheios de certeza de que o mundo lhes serve.
Reconheço artistas, ambulantes, moradores...
Da rua
em cada esquina do Jardim Paulista
o cheiro de marijuana e tabaco,
marijuana e incenso,
marijuana e marijuana,
se instala e atravessa minhas narinas:
Ali um par de motoboys no almoço
Lá dois barbudos com coletes sujos e pesados de couro
Aqui um rapaz com camisa de clube e duas meninas.
Observo o augusto desfile
das mulheres elegantes, homens despojados
Rumo ao Centro e nos limites da Liberdade
se me escancara a realidade de cada um
disputado ou negligenciado
por igrejas, igrejas, igrejas
e sinagogas e centros e mesquitas
e partidos e lojas
e lojas
e lojas
onde curiosamente se empilham
cruzes, elefantes, olhos gregos e figas...
sim, há ainda fé, fragmentada, diluída
como há o eterno aviso de "não toque"
nas antiguidades, nas jóias.
Há arte invisível em todo canto
enquanto os olhos colonizados
são atraídos para o anúncio de quinze metros
da nova série de garotos brancos
do serviço privado de TV.
São Paulo é essa pilha de desejos
vivos, toscos, ocos, secos,
depositados sobre objetos e objetos e objetos
mais sagrados que os corpos abjetos
que se estendem com vida
e frio
e fome
pelas calçadas
aqui
ali
e lá
sob as marquises da Paulista.
O semblante cansado
ainda predomina no metrô
inúmeros cristos crucificados dormitando de pé
pendurados pelas mãos
pregadas para o alto
no trem que se arrasta
vagarosamente sob a chuva
para a zona leste.
Crendo-se o sangue desse imenso nada
a imensidão de corpos mansos e amansados
segue feito um rio de gente pelas escadas rolantes
escorrem sendo o sumo da cidade menstruada
líquido aborto,
do suor o sal, extraído, excluído
vertido nas linhas amarela,
azul, coral...
Milhões de vidas contidas em vagões e caixas de cimento
árvores maduras voltam seus galhos aos céus
descobrindo-se incapazes de retirar, da luz, seu alimento.
Flores de resistência rosas e amarelas
são pisoteadas nas calçadas
nas manhãs de primavera,
mas em qualquer estação
tua cor segue cinza São Paulo,
nas ruas e calçadas e muretas que resistem
enegrecidas pela tua
"anticorrupta e moderna" poluição.
Eu, tua filha ranzinza
retorno, vejo, fujo
pois muito te amo mas também odeio
e sigo não desejando teu doentio seio
E sigo dizendo que te quero,
minha Sampa,
mas não te quero não.
Vem as imagens na minha mente enquanto leio... Que maravilhoso...retrata tão bem... Essa mistura de querer e não querer ficar, eu sinto isso quando estou lá.
ResponderExcluirVc é maravilhosa Eli! ��
Nossa! Isso faz desabar o que eu vi de Sampa em 2016, quando visitei a capital paulista.�� Ou seja, adorei!
ResponderExcluirÉ incrível como você consegue nos transportar para o local descrito... Nos faz sentir o que você sentiu: querer e não querer estar nesse lugar que causa sensacose tão ambiguas!!! Fenomenal!!! Parabéns!!!
ResponderExcluirE obrigado por nos brindar com essa poesia tão deliciosa!!!