segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Sobre uma pergunta feita à Nina.*



Nem precisa responder
que eu entendo,
cada nota
cada lágrima
essa sensação
de que era completa
e infinda
a escravidão.

Entendo o cansaço
e a irritação
entendo inclusive a fuga
para a Libéria
sem filha, sem perdão
numa sobrevida
que certamente
poucos entenderão.

O que se fez das meninas?
Fomos de fato felizes,
o quê nos aconteceu, Miss Nina?

Desculpe, miss,
mas eu minto...
não entendo não!
eu apenas sinto
em cada poro,
desse corpo por horas prostrado no chão
completamente minhas
as dores da sua canção.

"*What happened, miss Simone?"

Um comentário:

  1. LENDA DO PÔR

    Suava seu pão no claro do dia
    Era negro de um negrume mau
    Como os versos de uma revolução sangrenta
    E no seu negro negar havia ritmo e sedução
    Umas poucas palavras escuras
    Duras como a lida dos bordéis
    Cobriam sua pele com cicatrizes simbólicas
    em que o ódio podia penetrar vergastando
    Não chorava como era de esperar
    Nem tramava vinganças terríveis
    Não era um clown shakespeariano no umbral
    Nem um verso heróico de Gonçalves Dias
    Um homem comum ser comum filho
    Do caos e à deriva como todos nós
    Que podia ter sido o leiteiro de Drummond
    Até mesmo personagem malandro de Jorge
    Amado ou não em vida quem sabe
    Mas o chicote não parava de estalar
    Nessa malignitude que diziam existir em sua cor
    Não sabia mais de suas dimensões e tamanho
    Foi aos poucos ficando alaranjado
    Adejando idéias e dores nos rumos
    Como as brisas que querem se irmanar às ondas
    Foi se avermelhando até ficar definitivamente
    Como ficam as pessoas cujo sangue
    Cobre a carne vincada dos caminhos
    Sem volta do ódio pelo açoite foi crescendo
    Não podia redimir a humanidade não era quisto
    Confuso e sem poderes que não
    O anacronismo dos heróis comuns
    Foi cobrindo o céu com suas duas cores
    Que iam aos poucos se mesclando
    Assim entre o avermelhado e o escuro
    O sol se pôs
    Desta vez para todos

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