"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Mensagem de amor possível.*

Pierre Mignard - óleo sobre tela - 143 x 115 cm - 1689 -
(Szépmûvészeti Múzeum - Budapeste)

Há tempos que respingam sobre nossa pele
de brim branco essas nódoas formadas pela insensatez:
o desrespeito, a má vontade, a indiferença, a incompreensão.

Há tempos que parece não haver poesia possível
que imagem seria lógica, lúcida e bela
entre o corpo sem vida da vereadora preta
as toneladas de lama cobrindo cidades
as oitenta balas que calaram o músico
o céu da metrópole coberto pelas cinzas do que fora floresta?

Eu sei que por vezes, diante da dor, no nosso íntimo desejamos
a estupidez de quem se evade por completo
num copo de cachaça, na maratona de série, no futebol da praça
a leve e saudável estupidez de quem se esquece do que passa lá fora 
e se aquieta com gratidão, por ora, 
num contracheque magro de servidor.
Eu também ando pensando em silêncio:
quem nos dera o tempo em que não parecesse invejável
a capacidade de comer excremento e rir feito as hienas
felizes com a carniça que alimenta e aliena...

Tateamos as horas, tontos e tristes
filhos de Clio e Calíope, abandonados à própria sorte,
nossa arte, nossos artigos, nossas palestras, nossas verdades
escorraçadas por outras verdades construídas de modo perverso e acachapante
num tsunami que prediz nosso silêncio e nossa morte.

Sei que ainda tentamos a altivez, a resistência, o enfrentamento
enquanto assistimos nossos sonhos e nossos filhos desempregados
e nos debatemos com nossos talentos, nosso conhecimento 
desprezados, desgastados, desconsiderados até o estropio.

A história e a poesia são fardos que nos atormentam e unem
por isso peço, humilde como quem já quase se afoga
diante da onda gigante que sobre nós violentamente zune: 
estiquemos os pescoços para fora dessa areia movediça, 
não nos falte um sorriso cúmplice para quem vai ao lado,
e mesmo que sejamos os filhos Saturno devorados
haverá de nos fazer justiça o próprio Tempo, alguma altura
e nenhum de nós terá de aguentar mais que uma vida dessa desventura.

*Aos amigos historiadores e poetas.

8 comentários:

Anônimo disse...

Obrigada por isso. Você é minha eterna inspiração. Que alegria dividir contigo essa existência!
Sigamos juntas.

Marcelo Camacho disse...

😘

Edgar Borges disse...

Vê tá falando comigo ou de mim, moça? Me vi aí.

Edgar Borges disse...

Vê não. Cê.

Elimacuxi disse...

Falo de nós, Ed. E para nós. Talvez por nós. :*

Aldenor Pimentel disse...

obrigado

Joakim Antonio disse...

Um alento, no qual nos espelhamos! Parabéns!

Jhonatan Calel disse...

Uau, poesia que fala com a alma