Eu não queria escrever esse texto que lê em nossos corpos essa culpa antiquissimamente plantada, nosso direito de simplesmente ser, abortado.
No dia em que livre e deliberadamente decidimos que não íamos cumprir, por algumas horas, as tarefas pre-estabelecidas para a manhã ,eu queria falar das nossas escolhas, do nosso livre passear, das descobertas pelas ruas de Vitória, da arte nas paredes e dentro de nós. Da nossa decisão de seguir à esquerda, para o Lago Azul e deixar o Mirador da Floresta, à direita, pra depois.
Nem era tudo alegria o que eu queria. Eu queria escrever um poema sobre o absurdo de extinguir onças para construir onças de pedra. Falar dos micos se equilibrando nos fios de eletricidade. Queria falar da felicidade daquele exercício de autonomia e liberdade ao qual estávamos entregues, com meu peito arfando, cansado e consciente da respiração, na subida do morro.
Mas surgiram homens. Primeiro um, parado, nos mirando. Depois outro. E outro. E nos tomou a lembrança, a sombra assustadora dos corpos femininos dilacerados, das vidas destruídas, dos montes de vítimas no rastro violento de homens e homens e homens que subjugam mulheres por serem mulheres.
E silenciosamente nos vimos, as três, em pânico. E saímos dali, o mais rápido que pudemos, lamentando a liberdade que não temos somente porque somos mulheres.
Para Evelly e Elen, que comigo fugiram da Gruta da Onça
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