quarta-feira, 23 de março de 2016

Poeuma

leio os antigos poemas
como quem revira bagagens
e o coração recolore as imagens:

é catar-se entre pedras e grãos
diluída entre as frestas e vãos
dos versos, lavrada na palavra
carne viva, latejada
fratura
exposta pela ponta dos dedos.

versejo
rompo tempo e espaço para ser milhares
sou espiga no milharal embonecado
da memória do meu pai
sou saudade da casa grande do interior
da memória da minha mãe
sou menina apaixonada pela primeira e pela milésima vez
sou campeão e sou freguês
tudo me dói e me alivia

versejo
e gosto do que vejo:
sou a um tempo
poeta e poesia. 

terça-feira, 15 de março de 2016

Me deixem.

percam
pudores e
prazos

printem
posts
pérfidos

passem
posses e
poses

partam
pernas e
portas

permitam-me
penas e prosas
pecar
por prazeres e pratas
pedir
petúnias e prímulas
prover
palavras e poemas
pensar e portar
palmas e prismas,
pragas e prendas
pães e pestos,
pulsar, pender, pirar
perigosamente em
partes de
pura pele.

terça-feira, 8 de março de 2016

Eu canto a mim e a mil
canto mil vezes um milhão
para quebrar o silêncio pelo medo do tapa
e a angustiada escolha da roupa
canto por cada barriga contraída para a foto
canto por cada uma que foi chamada de louca
canto porque a fome e a miséria são mais nossas
canto porque nosso corpo não nos pertence
seja em terra, no ar ou levado pelas marés,
canto porque é injustiça
e violência
o que nos marca da cabeça aos pés.

contra o medo de viajar sozinha
contra o pavor de ser mãe de menininha


canto a mim e a mil e mil vezes um milhão
sou sua mãe, sua irmã, sua colega, sua esposa
e canto
por um dia em que um dia seja só mais um dia
e toda mulher possa ser livre e feliz

e cada maldade não seja atribuída à mãe
do filho da puta 
por um dia em que um dia seja só mais um dia
e possamos entoar mais cantos de alegria
com menos motivos para cantos de luta. 

sábado, 5 de março de 2016

domingando
sem cobranças nem amarras
nos demos ao salto
emocionados
cada um com sua mala de motivos

madrugada
e mergulhamos juntos

eram bolhas de ar
os corpos unidos
sob o branco do lençol
lado a lado submergidosprofunda
profundamente entregues

adentramo-nos sem medos
nem expectativas
foi quase prece aquele toque
fazendo-nos presença que aquece
que marca a vida
e torna o outro parte
sem preço.


flutuamos
sem reserva nem temor
e não há porque não admitir
que por todos esses anos
foi e é amor.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Comovida
em pele e ferida
sozinha e lida

amostrada
escondida.

ora é falta, ora é contrapartida
ora o demo, ora querida
crê e duvida

despreza e convida
devora a fera com venida
nereida úmida e homicida
cuida e liquida
expurga-se toda
e segue a vida.