Edouard Manet, The Railway. 1873. Galeria Nacional de Arte. Washington. |
Você tem 3, 4, 5 anos. Quero te
abraçar e te dizer que vai passar. A saudade que você sente da sua mãe, que foi
de novo trabalhar, vai passar. Vai chegar o dia em que será você quem partirá. Não
se preocupe. A distância pode crescer, se alongar. Mas o amor de vocês não
passa.
Você tem 7, 8, 9 anos. Quero
te abraçar e te dizer que não há de ser nada essa humilhação de ser enxotada de
baixo da banca da feira. É só uma cenoura, é besteira. Haverá repolhos e maçãs
e tomates meio estragados que você poderá levar pra casa. E seu pai vai cozinhar
e vai ficar gostoso e isso será só lembrança um dia. Mote pra viajar e fazer poesia.
Chegará um dia em que não faltará comida na sua mesa. Quero te abraçar e te
dizer que isso é certeza: a vida, nesse sentido, vai mudar. E você, que durante
muito tempo não chegara aos 50 quilos, um dia desejará até emagrecer. Eu sei
que é difícil acreditar, mas confie em mim, isso vai mudar e nunca mais a
comida haverá de te faltar.
Você já tem 10, 12 anos. Quero
te abraçar e te dizer que esse barraco com coisas empilhadas, essa bagunça onde
não se encontra nada, onde você se sente perdida e desorientada, essa angústia e
culpa pela desarrumação, vai habitar por muito tempo os sonhos que terás nas
madrugadas. E é de coração, quero que saibas que está tudo bem não conseguir
organizar as ideias, não conseguir manter as memórias, carregar os souvenirs da
vida, não poder manter tudo sob controle. Você vai se entristecer muito por
isso, até descobrir que tudo bem não poder ajeitar tudo, tudo bem que a vida
esteja vez ou outra, muitas vezes, fora do alcance da sua arrumação. Bem mais
tarde você descobrirá que isso não precisa deixar mudo seu coração.
Você tem 13, 14, 15 anos. Quero te abraçar e te dizer que seus muitos irmãos não se converterão
todos em amigos. Algumas daquelas de quem você hoje troca fraldas amanhã estarão
separadas de você por diversos motivos, te acharão insuportável, metida,
exigente, exibida. Não entenderão nem serão gratas pela ajuda que você tentar
oferecer. Te julgarão sem nunca terem passado pelo que você passou. Mas quero
te dizer que você conseguirá fazer de seus irmãos mais próximos em idade seus
verdadeiros amigos. E você não se sentirá sozinha para sempre. Além da multidão
de pessoas que sinceramente manterá enorme apreço pelo que que você é, haverá amigos
fiéis com os quais você poderá contar a qualquer momento. Pode acreditar, você
nunca deixará de fazer novos amigos e a amizade será sempre seu refúgio e seu
unguento.
Você tem 18, 20, 35... A vida vai seguir rápida, você se verá adulta. Quero te abraçar e dizer que embora
você se mantenha por um tempo considerável ao lado das pessoas que ama, as
perdas acontecerão. Amigos se perderão no caminho, uns por falta de sabedoria e
pelo fim do carinho, outros pra violência da polícia e do trânsito. Quero te
abraçar e dizer que o susto da gravidez não pode nem vai te derrubar. Terás três
frutos incríveis, que maduros, te acompanharão com amor incondicional. Serás
mãe, da forma mais extraordinária, de mulheres admiráveis que, na vida, serão
tua limalha. Sofrerás dores de amores que te farão pensar em morrer. E serás órfã
de pai, como suas filhas também serão, quando te tornares viúva de um iluminado
ser chamado Vavá. Quero te abraçar e te dizer que isso vai doer pra sempre, mas
que você se surpreenderá. Porque serás capaz de carregar com leveza a saudade e
a dor. E converte-las constantemente em mais poesia e mais amor.
E quando um dia finalmente te
vires bonita no espelho, quando reconheceres a importância e o deleite de teu
corpo, mais de quarenta anos já terão em ti se achegado. E embora faças yoga,
terapia, meditação e te cubras de tantos cuidados pra que novas tentativas de
romper com a própria vida não voltem a acontecer, sentirás medo. Quero te abraçar
e dizer que respires e lembres que o medo da vida pela frente só
tem sentido se você desprezar todo esse passado. Você já tem a consciência de
que é um cadáver adiado, tudo bem.
Você tem 42, 43, 44. Quero te abraçar e dizer que nem sempre você dará
sorte com um namorado. Haverá covardia e maldade no seu caminho. Mas a esperança de dar certo o plano de partilhar a
vida te fará sempre tentar de novo, você não negará carinho. E isso é surpreendente e belo, você se
renova, sonha e se entrega. Quero te dizer que apesar do medo, é coragem quem
te move, você age com o coração. E nesse momento não importa apontar o quanto
isso é negativo ou bom. E que deves sim abrir mão das convicções antigas e permitir-se a alegria de ser amada por quem parecer mais improvável: você pode e a alegria que virá disso te fará de novo, do amor, uma aprendiz.
Então você completa 45. No rosto e no espírito já tens vincos... Como mulher crescida que observa a criança que ainda é, quero te abraçar, te pedir perdão pelas vezes que te
abandonei e te dizer que em toda e qualquer hipótese, estarei ao seu lado. Amorosamente te
reconheço como meu suporte, meu tronco, fruto e raiz. Orgulhosamente me apodero do que és, do que de ti eu fiz. Quero me abraçar e me dizer que tudo bem ser quem eu fui, ser quem eu sou e que a meta é me fazer, o mais possível, mais e mais feliz.