"Uma atividade voluntária exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente de vida cotidiana." (Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5ed. Saão Paulo: Perspectiva, 2007)
De todos os brinquedos que a vida me deu, o que mais me cativou foi o de jogar com as palavras. O jogo se faz completo quando escrevo e alguém replica, quando replico o que escrevem... É na intenção de reunir jogadores e assistência, que meu blog é feito.



quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Feitiço

sou consciente de que o tempo já me cobra
no peito a pele gasta do tambor
mas nunca temo a emoção que me sossobra
e ignoro o monstro em seu horror

senti o faro, o bafo, o gosto e o som presente
senti as garras sobre a pele enfim
senti o peito transtornado, adolescente
senti a rocha e o mar brigando em mim

não me enalteçam jovens que por vez primeira
caem nas teias, cheios de torpor
pois que é tolice estar assim, livre em cadeias
enfeitiçados por tão bom senhor

se não o espero, o amor arma seu bote
sei de onde brota a luz dessa manhã:
leva minha guia, juventude, castidade
sigo feliz se estiver viva e sã.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

história de voo

viro a página
reformo a vida e saio de viagem
vou levando adeuses e ideias na bagagem
companhia exata de um princípio sem fim 
sobrevoo o abismo
que há no centro de mim

retorno mais tarde
e a tarde furiosa e quente
beija a cidade muda 
e queima tudo com sua saliva
suave e incandescente

estudo o espaço 
e ensaio um golpe no ar escasso
sangrando e sem palavra
o coração na mão batuca, piano piano
um som qualquer, sem sentido nem graça

no oco do peito há um silêncio
e sem alarido 
vejo cega que tudo está mantido
no devido lugar:
 - inclusive eu 
que pousei sem pousar


domingo, 27 de outubro de 2013

Viagem

dorme? não dorme
sonha acordado
dias cantados
tudo poesia
tudo absoluta
e encantada correria

dentro de si silencia
violão e guitarra
cavaco e pandeiro

destilado, deste lado
desespera um inverno inteiro
pela nova primavera

joga-se no abismo que pra si escava
perdido labirinto da palavra
e por fim se vê no bucho do pássaro

de feliz o sonho se transveste
se faceiro cruza o céu azul
rumo ao leste.

sábado, 26 de outubro de 2013

Da cegueira diante dos quadros

era uma luz
de um verde esparso
por sobre a cruz
duns braços abertos
sussurrando: Jesus...

uma planta
de pé
espelhada
espalhada
branca
como todo o resto

era cegueira

era o rosa
a rosa de uma língua
vento
orvalhando pétalas
jardim implantado
na fronteira
da pele

era mais mas não saberia
como fazer caber nos segundos
de um dia
e no entanto cabia
na palavra chuva
que absoluta se espalhava
partindo da boca
de quem parte ilhava:

tudo.


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Hoje

Quando o feitiço da conversão do amanhã em hoje se declara, emudece-se a dor e tudo é repassado. Tudo paz, tudo passado.

o hoje
age, ruge
alicia.

o hoje
gera jeitos
e angustia.

o hoje
é joia, jogo
e apostaria
que hoje, o hoje
que surge singelo
mas ligeiro foge
nos sentencia:
o que hoje
começa,
como o hoje
ferve
e logo esfria.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

discurso de posse

palavras são lanças
soltas no vento
surpresas,
sussurros.

palavras suaves
açoitam
assediam
são laços que prendem
se sibilam sinceras
os silêncios que pendem
de antigas quimeras.

são desvio e são caminho
que me fazem limpa e sã.

minhas palavras
são sonhos e são passos
e se apossam
de tudo que abraço.

domingo, 13 de outubro de 2013

historinha com final feliz para o dia das crionças

sorrateiro ele a espreita
lança-se de surpresa
e a leva consigo para o meio da pista
 - que conquista!
dançam e entre volteios
ele ensaia um galanteio
e segreda-lhe ao ouvido
que a tem lido
e muito gostado.

ela pára para reparar melhor
e diz-lhe, como a ela convém
com suave espanto e desdém:

pois todo homem é cego...
para saber-me sem medo
para entender o segredo
é preciso mais que uma lida
mais que uma vida ou um baile:
decifra-me e devoro-te,
lê-me agora,
mas lê-me em braile! 

sábado, 12 de outubro de 2013

O que a vida dá*

Presentes:
eu presente, tu presente.
Presentes.
Nós presentemente.
Apresentados.

( - Pressentes?
Presenteados!)

*Parceria com Ivan Lima

terça-feira, 8 de outubro de 2013

CHATEADO

cerveja na mão, senta e tecla
apaga
e tecla
e volta a apagar

em volta música, uma
e outra
e outra

excederam linhas
numa lavra louca
pouco contido
o palavreado
tudo em coração transformado
transtornado mundo
livre de horror e cinismo

sem mirar o fundo
saltaram no abismo

domingo, 6 de outubro de 2013

livre

ela esbarrou na porta
frente fria invadindo a sala
nucas arrepiadas
olhares vertendo estupefação

a reação provocara um surto
o ar revolto quase tocara o chão

nem percebera o tornado
que se formara
colheu o copo com água como um padre reza benção
não despejou sequer uma gota de interesse
e saiu em silêncio,
com a alma nua e o corpo são.

sábado, 5 de outubro de 2013

não
nem tudo tão fofo
há palavra brita atirada na pele
há palavra sal na mucosa
do olho
há palavra fel destilada na papila
nem tudo fofo
nem tudo doce
nem tudo de amor cintila

mas quando teus olhos
colhem com ternura meus amargos cristais
pouco me importa se a vida dói ou desfaz:
embrigada de vaidade
eu gozo
e quero mais!

terça-feira, 1 de outubro de 2013

dane-se
dane-se o que pensa
dane-se o que vê
dane-se o que se dana
nessa fresta, nesga
nesse entre
teu juízo
e minha fala
porque o que digo
pra mim mesma
vou ouvir
mesmo que seja
um sussurro desesperado
calando um berro de amor
e enchendo esse tempo de danos.